18 junho 2006

Todo Mundo em Pânico 4



Nota: 5

A franquia Todo Mundo em Pânico já está parecendo as montagens satíricas de trechos de filmes usadas para abrir as cerimônias do Oscar. Os alvos da paródia de Pânico 4 já não são os filmes de terror, mas qualquer filme de grande destaque lançado desde Todo Mundo em Pânico 3, de 2004.

Assim, o diretor-roteirista David Zucker, também responsável por Pânico 3, e os co-roteiristas Craig Mazin, Pat Proft e Jim Abrahams, brincam com filmes ganhadores do Oscar, como O Segredo de Brokeback Mountain e Menina de Ouro, ao lado de O Grito e A Vila.

Anna Faris, no papel da loira Cindy, e Regina Hall, como sua libidinosa amiga Brenda, estão de volta como as personagens que garantem a ligação (tênue) entre um esquete cômico e outro, às vezes em recriações cena por cena de filmes diversos.

Quase a contragosto, os criadores do filme se rendem à necessidade de pelo menos um esboço de trama. É a seguinte: há duas casas, uma ao lado da outra. Em uma delas, Cindy, basicamente, topa com paródias de todo o tipo de filmes de terror japonês. Na outra, Craig Bierko, basicamente, representa Tom Cruise no papel do herói trabalhador de Guerra dos Mundos, inclusive com filhos irritados com ele.

Depois disso, Pânico 4 mergulha em piadas envolvendo fluidos corporais, problemas intestinais, fantasmas irritantes, extraterrestres idem, aldeias estranhas, Michael Jackson, acessórios de sadomasoquismo e um confuso presidente norte-americano mais interessado num livro infantil do que na invasão dos EUA. A confusão toda termina no sofá da apresentadora Oprah Winfrey.

Um certo presidente dos EUA, interpretado por Leslie Nielsen, aparece numa sala de aula ouvindo histórias infantis. Seu segurança diz que a população está sob ataque e... pronto. Lá se foi uma das poucas cenas engraçadas dos 83 minutos de filme.

Cindy Campell, protagonista da franquia que tem como mote caçoar de filmes de terror, tenta impedir uma invasão alienígena. A ameaça vem dos triPods, enormes tocadores de MP3 malignos que emergem do subsolo. Cindy conta com a ajuda da ninfomaníaca Brenda (Regina Hall) e do abobado Tom Ryan (Craig Bierko), que quer se reconciliar com os filhos.

Esta seqüência foca um número ainda maior de histórias de horror, diminuindo os personagens nonsense das tramas anteriores. Resultado: quem for ver o filme - e quiser que o dinheiro do ingresso renda algumas risadas - precisa ao menos conhecer outros seis títulos.

A fórmula que rendeu mais de US$ 150 milhões ao primeiro longa da série (curiosamente, mais que todos os filmes que ele mesmo satirizou) já soa inocente. Prova disto é que as tiradas mais rentáveis (ou seja, as mais virulentas) são direcionadas a dois dramas, O Segredo de Brokeback Mountain e Menina de Ouro.

O filme também mostra ambições mais restritas ao público norte-americano que seus anteriores. Uma parcela pequena do espectador brasileiro deve gargalhar de cenas que ironizam o estilo de jogo de Shaquille O'neal na NBA (liga de basquete norte-americana) ou que remetem ao Dr. Phillip C. McGraw, autor de best-sellers sobre emagrecimento e crises conjugais.

Quando o diretor David Zucker decide, enfim, pegar pesado com estrelas de Hollywood mundialmente conhecidas, trata-se de uma piada requentada ou de uma passagem muito mais cômica na vida real. Michael Jackson, por exemplo, está na eterna paródia com criancinhas. Já a aparição de Tom Cruise pulando no sofá da apresentadora Oprah Winfrey é mais engraçada quando vista no YouTube.com, com Cruise fazendo o improvável papel de si.

Zucker entrou para a série no terceiro episódio (2003), no lugar de Keenen Ivory Wayas, que fracassou no Todo Mundo em Pânico 2. A parceria deu certo no Todo Mundo em Pânico 3, mas sua continuação cai na mesma armadilha que fisgou seu antecessor.

As piadas estão mais rápidas, menos criativas, menos risíveis. Para o bem ou para o mal, diminuiu-se sensivelmente a escatologia. A classificação indicativa continua nos 14 anos.

Quando entrar nas salas brasileiras o filme disputa público com X-Men - O Confronto Final, mas não deve incomodar o segundo fim-de-semana dos mutantes em sua batalha mais esperada.

09 junho 2006

Araguaya



Nota: 8

Mais de 40 anos depois de seu início e 20 de seu término, o regime militar que imperou no país entre os anos de 1964 e 1984 volta a provocar polêmica na telas do cinema brasileiro. A verdade sobre a Guerrilha do Araguaia, episódio sangrento na história brasileira do regime militar, ainda continua obscura. O cineasta Ronaldo Duque, 50 anos, sabia que desvendar o segredo que ainda cerca o sumiço de 60 militantes de esquerda durante o conflito com os militares seria o maior desafio da sua vida. “Foram quase 20 anos preparando a visão sobre uma região cujos habitantes até hoje parecem viver à sombra do medo”, diz Duque, jornalista que migrou para o cinema em 1979, com o curta-metragem Póstuma, sobre o assassinato do índio Ângelo Cretan para, 10 anos depois, em 1989, ganhar o Rio Cine Festival com o documentário No, sobre a ditadura chilena.

Ao custo de 4,5 milhões de reais, Araguaya – A Conspiração do Silêncio percorreu um caminho tortuoso. Como já era de se esperar, o cineasta não recebeu qualquer informação e muito menos ajuda das Forças Armadas para narrar a história do grupo de militantes que montaram na fronteira entre Pará, Tocantins e Maranhão (região conhecida como Bico do Papagaio) um foco de resistência socialista armada à ditadura militar. Outra dificuldade encontrada pelo diretor foi a natureza – as locações para reproduzir a vegetação estavam devastadas – sobretudo a chuva torrencial, que acompanhou a equipe durante os 12 semanas de filmagens e inviabilizou uma estrada improvisada na mata pela produção para facilitar o trânsito. Isto sem falar nos mosquitos que infestavam a cidade paraense de Marituba, perto de Belém, onde foi construída, em 8 meses, uma cidade cenográfica com igreja, escola e cerca de 70 casas. Ouvidos historiadores, sobreviventes, militares e parentes das vítimas, centenas de depoimentos foram colhidos ao longo de 10 anos de trabalho duro, e ajudaram Duque, Guilherme Reis e Paula Simas a elaborarem o roteiro ficcional, que ganhou o primeiro concurso de Roteiros do Pólo de Cinema e Vídeo de Brasília, além do Prêmio de Desenvolvimento de Projetos do Minc e o Prêmio Mais Cinema.

Apesar de embrenhar-se na floresta Amazônica para narrar a repressão do Exército aos guerrilheiros, o filme nasce no asfalto, em 1968, com a repressão às manifestações de protesto ao golpe militar. É neste episódio que ele apresenta cada um dos rebeldes, que inspirados pelos maoístas, compartilharão o sonho de montar uma guerra popular a partir do campo.

“Essa era a proposta da guerrilha, uma ação militar rara no Brasil, que lembra campanhas históricas como a de Canudos”, explica Duque. Filho de mecânico de avião, que durante o regime militar teve de desaparecer por anos por causa de suas ligações com o movimento sindical, Duque começou a pensar em Araguaya no final dos anos 70, quando desembarcou aos 23 anos, em Marabá, para ajudar na montagem de uma estação de televisão. Na época, ele ouvira rumores de que o Exército tinha prendido um grupo de guerrilheiros às margens do Araguaia. Anos depois, a história tornou-se pública, e ele sonhou transformar sua investigação em um documentário. Mas o assunto da Guerrilha era e continua proibitivo na região. “As pessoas tinham e têm medo”, garante o cineasta.

Recentemente, o Governo Federal criou uma comissão encarregada de encontrar os corpos dos desaparecidos políticos e há uma determinação da Justiça que garante a quebra de sigilo de todos os documentos referentes às operações militares no Araguaia. Duque ressalta que não tem pretensão de criar polêmicas com o Governo, mas não se surpreende com as coincidências dos fatos. “A história borbulha, e estamos contanto história de gente viva, que briga por dignidade”, ressalta.

Além do ex-deputado José Genoíno (ex-Presidente Nacional do PT), que no filme tem o codinome de Geraldo (Pablo Peixoto), outras figuras reais da luta armada do Araguaia serviram de inspiração para o diretor Ronaldo Duque. A personagem Alice (Rosanne Holland) baseia-se na guerrilheira Criméia Alice, que engravidou na selva, conseguiu furar o cerco militar para ter o seu filho, e acabou sendo uma das poucas sobreviventes civis do conflito. Tanto Genoíno, quanto Criméia dão depoimentos no filme.

Outros personagens de Araguaya também têm base real: Oswaldão (Northon Nascimento) é Oswaldo Orlando Costa, estudante de engenharia que fez curso de guerrilha na China. Velho (Cacá Amaral) por sua vez é Maurício Grabois, dirigente do PCdoB que foi deputado comunista em 1946. Zé Carlos (Danton Mello) é André Grabois, desaparecido na guerrilha aos 27 anos. O padre Chico (Stephane Brodt) que narra o filme é inspirado nos dominicanos Aristides Camiou e François Gouriou, expulsos do país.

“É a história de uma juventude totalmente convencida do que estava fazendo. Seria leviano achar, 30 anos depois, que aquilo foi uma porra-louquice. Costumo dizer que Araguaya é um filme de ficção com argumento documental. No Brasil ainda são poucos”, afirma o cineasta Ronaldo Duque.

Oswaldão é um dos eixos centrais por onde roda a trama de Araguaya, uma vez que sua experiência em ação facilitava o confronto com agentes militares, entre eles o sórdido cabo Abdon (Cláudio Jaborandy). Os que conviveram com Oswaldão na época lembram do guerrilheiro como um herói. É o caso da professora aposentada Victoria Grabois, 60 anos, que perdeu o pai, Maurício, o irmão André e o marido, Gilberto Olímpio, no conflito. ”Oswaldão era uma pessoa de coração enorme e que deu a vida pelo seu país. Não sei se esse filme pode ajudar as famílias dos 60 desaparecidos a encontrar o paradeiro deles, mas pelo menos pode divulgar para quem viveu aquela época que houve um movimento de resistência no Brasil”, diz Victoria.

O projeto Araguaya é louvável ao abordar um tema tão negligenciado. Porém, o diretor Duque se perde ao longo da execução. A junção entre documental e ficcional nunca acontece com naturalidade. Os poucos depoimentos apresentados no início do filme não dizem muito a que vêm, ficando perdidos e nunca retomados até o final do filme. Além disso, os guerrilheiros são retratados de forma muito idealizada, o que muitas vezes resulta numa caricatura da realidade. A paixão entre dois jovens do grupo, por exemplo, perde a força ao ser apresentada de forma novelesca e superficial. A sensação, no final, é que Araguaya desperdiça um grande tema. Claro que não precisava esclarecer ou mesmo iluminar toda a situação, porque ai é se esperar muito do filme, mas se espera um pouco mais do que se vê na tela, com um assunto tão interessante e pouco abordado. Méritos pelo tema abordado, mas não pelo que se vê na tela.

A Profecia



Nota: 5

Este remake de A Profecia (The Omen, 2006) é de dar medo. Infelizmente, o medo não é daqueles que faz o espectador grudar na cadeira, começar a roer as unhas e agarrar com força o braço da pessoa do lado - seja ela um namorado(a) ou um providencial desconhecido(a). O medo que surge é o de imaginar onde vai parar esta ganância de Hollywood.

O único motivo visível para a existência deste projeto é o de tentar lucrar em cima de uma data que só vai se repetir daqui a 100 anos, o tal 6/6/6 (o temido número da besta), que fez inclusive o filme estrear mundialmente numa incomum terça-feira. Será que os engravatados acham mesmo que as pessoas vão correr para dentro de um cinema num dia de semana por causa de três ou quatro sustos? Sim, porque o filme não é mais do que isso. Se você for ao cinema esperando todo aquele clima sombrio e apavorante de um verdadeiro clássico do suspense como O Exorcista (1973), vai se decepcionar. Este remake não consegue causar grandes sensações... hmmm, talvez o ódio - de estar ali no cinema perdendo tempo enquanto podia estar fazendo algo melhor em outro lugar.

Não sei se foi a falta de tempo (para conseguir terminar o filme a tempo), ou realmente uma falta de criatividade, mas este remake acabou saindo fiel até demais ao seu original, chegando ao ponto de remontar cenas e mortes tais quais elas foram mostradas em 1976, apenas dando uma ligeira maquiada. Se era pra fazer igual, então por que gastar tempo e dinheiro? Bastava fazer uma grandiosa campanha de marketing e trazer o "classico" de volta ao cinema, com direito a "versão do diretor" ou qualquer outro tipo de rótulo caça-níquel que depois dá direito a faturar também com a venda de DVDs.

Uma das poucas mudanças em relação ao original fica na tentativa de explicar catástrofes recentes, como os atos terroristas de 11 de Setembro e Tsunami como provas da chegada do Filho do Demônio à Terra e o conseqüente "início do fim". Sobre as mortes, duas delas até ficam mais interessantes, mas nada que faça valer a saída a uma sala de cinema. Me parece mais vantajoso esperar o relançamento em DVD da tetralogia, ou então - se você quiser mesmo ver como ficou o remake - esperar a sua chegada ao formato digital, que - tudo leva a crer - deve ser feito numa sexta-feira 13 ou no próximo Halloween, enfim uma data comercialmente aterradora dessas.

A história, caso você ainda esteja interessado, começa quando um jovem diplomata norte-americano (Liev Schreiber irreconhecível) e sua esposa (Julia Stiles apenas regular) perdem o filho na sala de parto. (E aqui vale um parêntese: o filme não explica, mas o material distribuído à imprensa diz que a mulher já havia perdido outros dois filhos antes). Quem dá a notícia da perda é um padre, que já vem com a solução perfeita: no mesmo horário em que eles perderam o filho, uma criança nasceu e perdeu a mãe. Se ele aceitasse levar o menino para casa, ninguém jamais ficaria sabendo do fato. Troca feita, o pequeno Damien (Seamus Davey-Fitzpatrick - freakshow) vai crescendo normalmente, até que no seu quinto aniversário acontece uma catástrofe. Daí em diante, é só correria pra cá, susto pra lá e tome mortes bizarras! Tudo coisa do Demo, claro!

Os fãs do gênero, que gostam de ir ao cinema atrás de uns dois ou três sustos causados pela combinação de mudança de câmera mais som estridente (incluindo aí a famigerada cena do espelho - sim, ela de novo!) poderão sair do cinema felizes. Os cinéfilos, que prezam os seus 15 reais, sairão com a certeza de que em algum lugar o Coisa-Ruim está rolando de rir depois de ter aprontado mais uma das suas.

Um dos principais problemas da refilmagem está aí: o original consegue manter algum suspense (graças à direção e aos bons atores) quanto à possibilidade de o garoto ser ou não o capeta. Diferentemente daquele Damien empático, aqui o menino é o coisa-ruim desde que o vemos surgir. Mas comparar este filme de John Moore com o primeiro, de Richard Donner, é covardia. O original, que seguiu a onda dos bem-sucedidos suspenses em que uma criança aparecia como veículo para o capeta - vide O Bebê de Rosemary (1968) e O Exorcista (1973)-, tinha os gigantes Gregory Peck e Lee Remick onde hoje estão os quase anônimos Liev Schreiber e Julia Stiles, respectivamente. Tinha também uma preocupação em fazer um suspense sem sustos fáceis, amparado no bom roteiro, na direção e na impecável trilha sonora (vencedora do Oscar de 1977). Aqui, o diabo quase veste Prada: os cenários são chiques, "clean", com uma insistência desnecessária na simbologia do vermelho e em analogias com acontecimentos recentes, como o 11 de Setembro e o tsunami.

04 junho 2006

Buenos Aires 100 Km



Nota: 6,5


Uma das características mais marcantes do recente cinema argentino é a sua leveza narrativa, a fluidez com que as histórias se desenvolvem. Podemos observar essa característica em extremos temáticos e autorais que vão de um cinema denso e vigoroso de Lucrecia Martel até o cinema mais popular e melodramático de Campanella. Conversando sobre essa questão com alguns colegas críticos, logo após a sessão de um desses filmes, um deles citou uma hipótese extremamente interessante: cogitou que o cinema argentino tem essa fluidez porque não sofre a concorrência de um padrão de qualidade, questionável é certo, que vem da TV, no nosso caso o da Globo. Os portenhos teriam mais liberdade, nesse sentido, para desenvolver uma linguagem, uma narrativa de cinema e não ficariam presos a fórmulas de sucesso e esquemas de produção escravos da TV. Esse espelhamento com a TV gera por aqui uma pobreza e uma covardia narrativa absurda. Poucos filmes brasileiros fogem a essa regra.

Faço todo esse preâmbulo por dois motivos: primeiro, porque isso deve justificar em parte o aumento de estréias de filmes argentinos em São Paulo - esse ano já estrearam quatro comercialmente, pouco ainda, mas número superior se comparado a anos anteriores - e também porque, dos projetos que vi nos últimos anos, dezenas, este Buenos Aires 100 Km (Buenos Aires 100 kilómetros, 2004) é um caso raro de produção portenha com problemas na narrativa. A história não nos envolve o tempo todo, tornando o filme irregular e até sofrível em alguns momentos.

Buenos Aires 100 Km lembra um pouco Reunião dos Demônios, de Cecílio Neto, tem até problemas parecidos, sobretudo no desenvolvimento do roteiro, mas os jovens do filme de Pablo José Meza são mais velhos, transitam da adolescência para a idade adulta e não da infância para a adolescência. O problema é que ao retratar esse rito de passagem, essa busca da maturidade, o filme de Meza acaba se mostrando também muito imaturo, às vezes, até pueril demais. Poder-se-ia dizer que parece até que foi um dos cinco jovens que dirigiu o filme, tamanha a inocência e pobreza de algumas cenas como é o caso do plano seqüência inicial.

Um dado que pode justificar essa fragilidade do filme é o fato deste ser o primeiro filme do diretor, ter sido feito em apenas seis semanas e com poucos recursos, cerca 400 mil dólares. Apesar disso, o filme ganhou alguns prêmios: melhor fotografia e melhor música original no Festival de Providence (EUA); melhor roteiro inédito no Festival de Havana; melhor diretor estreante, melhor roteiro original e prêmio especial do júri no Festival de Huelva e melhor filme e melhor roteiro original em Lleida (Espanha). E agrada em alguns momentos, justamente quando consegue, de forma mais madura, explorar os problemas familiares desses jovens que vivem numa pequena e pacata cidade a 100 km de Buenos Aires.

E se o inicio de Buenos Aires 100 km assusta um pouco, é no seu final que o filme mais encanta. A partida de futebol entre os cinco jovens com um outro grupo de garotos argentinos é filmada com um realismo ímpar e os jovens não hesitam, o que é tipicamente argentino, em dividir com bravura todas as bolas. Após o jogo, os garotos saem um a um do campo, mostrando que ali definitivamente se encerra uma fase da vida deles, o instante limite é bastante poético até porque Meza com um enquadramento bastante oportuno contrasta o pequeno campo de várzea com uma chaminé de fábrica no fundo do cenário, uma composição que deixa claro que a partir dali a história é outra.

No final, a impressão que fica é que apesar de pueril demais, imaturo até, Buenos Aires 100 km, quando peca, peca mais pela inocência do que por algum tipo de pretensão ou contaminação. Irregular, mas simpático, poderíamos dizer.

01 junho 2006

X-Men: O Confronto Final



Nota: 6

É bem provável que uma grande parte dos admiradores da série X-Men, que trouxe para o cinema a saga dos mutantes dos quadrinhos criada em 1963 por Stan Lee, fique decepcionada com o destino de alguns personagens no episódio final.

Não, o filme não é ruim. Acontece que, quando se trata de histórias de super-heróis (ou mesmo de super-vilões), o debate ocorre no campo das paixões, e alguns fãs mais exaltados poderão ficar desapontados com o destino daqueles que podem vir a ser seus alter-egos, já que diversos heróis e vilões morrem.

X-Men - O Confronto Final (ou X-Men 3, como vem sendo chamado informalmente), como o nome diz, coloca o time de mutantes em uma batalha decisiva contra os seres humanos. Tudo porque o pai do Anjo (Ben Foster) desenvolve uma arma química para "curar" seu filho - e, por conseqüência, todos os outros mutantes-- daquilo que a humanidade toda considera ser uma doença.

Este é o grande debate que o longa propõe, pois a decisão pela cura coloca os mutantes em conflito, já que alguns, como a Vampira (Anna Paquin), em crise por não poder tocar/beijar/transar com seu namorado Homem de Gelo (Shawn Ashmore), passa a acreditar que essa é a solução para seu problema.

Enquanto isso, Tempestade (Halle Berry), Magneto (Ian McKellen), Mística (Rebecca Romijn) e Pyro (Aaron Stanford) acham a idéia da cura absurda, pois não consideram sua mutação uma doença.

Aqui entra a polêmica, afinal, o enredo coloca em xeque o direito à diferença. Halle Berry e Hugh Jackman (o Wolverine) já disseram que, em sua interpretação, o mutante seria o estrangeiro. "Ao viver nos Estados Unidos como uma mulher negra, tive de me sujeitar a regras que fazem os imigrantes se sentirem como vítimas. Nem sempre apóio o meu governo", declarou a atriz, que também relatou dramas psicológicos vividos em sua infância.

"É um assunto contra o qual tive de lutar a vida toda. Quando era criança, acreditava que se mudasse a mim mesma, minha vida seria melhor. À medida que crescia, percebi que isso era uma grande bobagem", revelou.

Na verdade, além das diferenças sociais dos mutantes (a maioria deles, recrutados por Magneto para a batalha contra os humanos, é criminosa ou vive no submundo), seu maior problema é o fato de serem biologicamente diferentes, o que põe em voga questões de raça e sexualidade.

Mística (Rebecca Romijn) sofrerá sua mais dramática transformação
Ian McKellen, o Magneto, homossexual assumido e um dos maiores atores ingleses, considera a premissa da "cura" absurda. "É um aberração. Como seria se uma pessoa me dissesse que eu tenho de curar a minha sexualidade, ou se alguém dissesse aos negros que eles poderiam tomar uma pílula que iria 'curá-los' do fato de serem negros?"

Muitos mutantes dos quadrinhos foram deixados de fora desta trilogia, como Gambit. Mas um dos X-Men "clássicos", como chamam os mais aficcionados, tem papel de destaque. Trata-se do intelectual Fera (Kelsey Grammer), cuja aparência pouco humana coloca-o em conflito quanto à cura. "Ao contrário dos outros X-Men, sua mutação não é escondida. Mas ele percebe que ser comum não é seu destino", declara Grammer.

Paralelamente ao debate político-social, desenvolve-se uma trama mais próxima à dos quadrinhos: o ressurgimento de Jean Grey (Famke Janssen) sob a forma da Fênix Negra. Depois de ser engolida pelas águas do lago Alkali, a doutora reaparece e, então, revela-se uma faceta de sua personalidade completamente aterrorizante.

"Fomos inspirados por uma trama específica dos quadrinhos que nunca havia sido feita antes: transformar um herói em vilão", destaca o roteirista Simon Kinberg. Já a atriz Famke Janssen diz que a mudança era "esperada pelos fãs do quadrinhos" e "chocará as platéias do filme".

A história de X-Men 3 pode não retratar com fidelidade o que foi para os quadrinhos em 30 anos de existência. Também haverá quem considere que a escolha dos personagens pode ter privilegiado esse ou aquele mutante, mas há, pelo menos, três méritos nessa trilogia cinematográfica.

O primeiro é o fato de ter reunido o mesmo elenco, o que garantiu a integridade das seqüências. Em segundo lugar, a uniformidade do roteiro também foi mantida, apesar de os dois primeiros filmes terem sido dirigidos por Brian Singer e, este último, por Brett Ratner, que, em momentos pontuais, faz concessões ao moralismo hollywoodiano.

O outro mérito é o fato de que a trilogia de X-Men pode despertar nos não-iniciados a curiosidade por uma das histórias mais interessantes, pluralistas e criativas da história da indústria dos quadrinhos, pois sua essência foi conservada.

Por fim e por último: não banque o apressado e espere os créditos do filme. Há uma cena extra que conclui muita coisa.

Crime Ferpeito



Nota: 7

Desde que o cineasta Pedro Almodóvar resolveu fazer filmes para disputar o Oscar, o cinema espanhol perdeu sua figura de maior representatividade em termos de uma linguagem cinematográfica marcada pela inovação. Existem vários outros diretores talentosos no país ibérico, mas ninguém preenchia o espaço deixado pelo diretor de Ata-me! (1990), Carne Trêmula (1997) e Tudo Sobre Minha Mãe (1999). Álex de la Iglesia já pode ser apontado como este sucessor. A cada novo filme, percebemos que sua apurada técnica e seu estilo criativo vêm sendo esculpidos como um artista burila um mármore. Suas primeiras produções, Ação Mutante (1993), O Dia da Besta (1995) e Perdita Durango (1997), eram mostras de um cinema puro, feito na raça e voltado para um mercado mais restrito. Porém, desde A Comunidade (2000) reparamos sua vontade de dialogar com o público, mas sem se vender ou perder a sua assinatura.

Em seu novo filme, Crime Ferpeito (2005), Álex mostra a história de Rafael, um vendedor nato, seguro de si, que faz sucesso com as mulheres e consegue vender qualquer coisa para qualquer um. Após perder a chance de uma promoção por causa de um cheque sem fundos, Rafael acidentalmente mata Don Antonio, seu concorrente diretor ao posto. Lourdes, a feiosa da loja, assiste ao fato e resolve ajudá-lo. Só que sua intenção é ter Rafael como amante, então começa a chantageá-lo. A situação fica insustentável e ele se vê em “um mato sem cachorro”. Agora, para livrar-se dela, ele precisa cometer um crime perfeito.

Iglesia e o co-roteirista Jorge Guerricaechevarría brindam o público com uma história de humor negro, mas recheada de crítica social. A trama acontece quase toda num shopping. A intenção dos dois foi mostrar como a Espanha tem abandonado suas tradições com intuito de copiar os países mais desenvolvidos. Costumes como se divertir nas ruas com um bom papo regado a vinho, têm sido substituídos por um consumismo desenfreado. Ao mesmo tempo, o filme também se aprofunda na relação que o amor tem com o sucesso e a beleza, mostrando as conseqüências dos excessos da sociedade atual.

A câmera de Iglesia é enxuta e ousada. Ela serve a história com um ritmo veloz, mas ao mesmo tempo constrói uma idéia de claustrofobia. O mesmo shopping que simboliza para Rafael um mundo perfeito de sexo e dinheiro fácil, acaba se tornando a sua própria prisão. De predador, ele se transforma em presa. E tudo isso só foi possível com a ótima atuação de Guillermo Toledo. Mesmo não sendo um padrão de beleza, ele consegue convencer o público com um magnetismo quase que animal. Mónica Cervera, que faz Lourdes, é uma rival à altura. E o resto do elenco cumpre seus papéis com bastante competência.

Tudo funciona no filme de Iglesia. Figurino, edição e trilha sonora sublinham com extrema precisão os momentos de suspense intercalados com uma sátira voraz ao comportamento humano. Cenários e roupas coloridas lembram os primeiros filmes de Pedro Almodóvar. Estilisticamente, o drama psicológico de uma paixão avassaladora nos remete a obras de Buñuel e Hitchcock. A comédia de costumes irônica e crítica de Billy Wilder também se faz presente. Até a estética do filme noir surge em alguns momentos. Notamos todas essas influências, mas alinhavadas com uma originalidade espantosa. Com certeza Iglesia será tentado muito em breve pelos grandes estúdios a fazer filmes em busca de bilheterias fartas e premiações. É rezar que ele não cometa o mesmo erro que Almodóvar.