04 junho 2006

Buenos Aires 100 Km



Nota: 6,5


Uma das características mais marcantes do recente cinema argentino é a sua leveza narrativa, a fluidez com que as histórias se desenvolvem. Podemos observar essa característica em extremos temáticos e autorais que vão de um cinema denso e vigoroso de Lucrecia Martel até o cinema mais popular e melodramático de Campanella. Conversando sobre essa questão com alguns colegas críticos, logo após a sessão de um desses filmes, um deles citou uma hipótese extremamente interessante: cogitou que o cinema argentino tem essa fluidez porque não sofre a concorrência de um padrão de qualidade, questionável é certo, que vem da TV, no nosso caso o da Globo. Os portenhos teriam mais liberdade, nesse sentido, para desenvolver uma linguagem, uma narrativa de cinema e não ficariam presos a fórmulas de sucesso e esquemas de produção escravos da TV. Esse espelhamento com a TV gera por aqui uma pobreza e uma covardia narrativa absurda. Poucos filmes brasileiros fogem a essa regra.

Faço todo esse preâmbulo por dois motivos: primeiro, porque isso deve justificar em parte o aumento de estréias de filmes argentinos em São Paulo - esse ano já estrearam quatro comercialmente, pouco ainda, mas número superior se comparado a anos anteriores - e também porque, dos projetos que vi nos últimos anos, dezenas, este Buenos Aires 100 Km (Buenos Aires 100 kilómetros, 2004) é um caso raro de produção portenha com problemas na narrativa. A história não nos envolve o tempo todo, tornando o filme irregular e até sofrível em alguns momentos.

Buenos Aires 100 Km lembra um pouco Reunião dos Demônios, de Cecílio Neto, tem até problemas parecidos, sobretudo no desenvolvimento do roteiro, mas os jovens do filme de Pablo José Meza são mais velhos, transitam da adolescência para a idade adulta e não da infância para a adolescência. O problema é que ao retratar esse rito de passagem, essa busca da maturidade, o filme de Meza acaba se mostrando também muito imaturo, às vezes, até pueril demais. Poder-se-ia dizer que parece até que foi um dos cinco jovens que dirigiu o filme, tamanha a inocência e pobreza de algumas cenas como é o caso do plano seqüência inicial.

Um dado que pode justificar essa fragilidade do filme é o fato deste ser o primeiro filme do diretor, ter sido feito em apenas seis semanas e com poucos recursos, cerca 400 mil dólares. Apesar disso, o filme ganhou alguns prêmios: melhor fotografia e melhor música original no Festival de Providence (EUA); melhor roteiro inédito no Festival de Havana; melhor diretor estreante, melhor roteiro original e prêmio especial do júri no Festival de Huelva e melhor filme e melhor roteiro original em Lleida (Espanha). E agrada em alguns momentos, justamente quando consegue, de forma mais madura, explorar os problemas familiares desses jovens que vivem numa pequena e pacata cidade a 100 km de Buenos Aires.

E se o inicio de Buenos Aires 100 km assusta um pouco, é no seu final que o filme mais encanta. A partida de futebol entre os cinco jovens com um outro grupo de garotos argentinos é filmada com um realismo ímpar e os jovens não hesitam, o que é tipicamente argentino, em dividir com bravura todas as bolas. Após o jogo, os garotos saem um a um do campo, mostrando que ali definitivamente se encerra uma fase da vida deles, o instante limite é bastante poético até porque Meza com um enquadramento bastante oportuno contrasta o pequeno campo de várzea com uma chaminé de fábrica no fundo do cenário, uma composição que deixa claro que a partir dali a história é outra.

No final, a impressão que fica é que apesar de pueril demais, imaturo até, Buenos Aires 100 km, quando peca, peca mais pela inocência do que por algum tipo de pretensão ou contaminação. Irregular, mas simpático, poderíamos dizer.