Homem-Aranha 3
Nota: 2
No primeiro filme ele ganhou seus poderes e aprendeu que deveria usá-los com responsabilidade social. No segundo, quase sucumbiu ao estresse dessa filantropia superpoderosa. No terceiro, desfruta de uma recém-adquirida celebridade - e paga o preço do sucesso e do distanciamento.
De certa forma, Sam Raimi, o criador independente de obras cultuadas como a trilogia Uma Noite Alucinante, também sofreu do "Mal de Parker". No terceiro filme da série que adapta as aventuras dos quadrinhos do maior herói da Marvel Comics, o cineasta - hoje também uma celebridade - teve um dos orçamentos mais gordos já vistos no cinema: insanos 258 milhões de dólares. Com isso, empolgou-se com efeitos e possibilidades técnicas e desconectou-se do que fez os dois primeiros longas tão excepcionais, o roteiro.
O maior erro de Homem-Aranha 3 é primário e encontrado em grande parte dos filmes de Hollywood: a necessidade de amarrar obsessivamente todos os personagens e obrigatoriamente inseri-los dentro do arco narrativo. Mania de curso de roteiro do tipo "receita de bolo" (quem já leu qualquer coisa do Syd Field sabe do que estou falando), em que todos os personagens precisam partir de um ponto e chegar noutro, aprender alguma coisa, crescer. Diabos, por que eles não podem passar o filme inteiro sem aprender coisa alguma? Por que todos os antagonistas têm que dividir núcleos dramáticos?
Nos filmes anteriores, algumas dessas idéias já apareciam, mas como o grupo era menor, ficava mais fácil explicá-las e justificá-las. Já o excesso de "gente" no terceiro filme exige um grau da chamada "suspensão de descrença" que desafia as leis da lógica - até mesmo as de um filme em que o protagonista foi mordido por uma aranha geneticamente alterada! Um exemplo simples pra ilustrar isso: Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard) é colega de sala de Peter Parker (Tobey Maguire). Ao salvar um prédio em perigo na Ilha de Manhattan (1,5 milhão de habitantes), o Homem-Aranha depara-se justamente com... Gwen Stacy. Ao marcar um jantar romântico com Mary Jane (Kirsten Dunst) em um dos milhares de restaurantes da cidade, Parker encontra-se com... Gwen Stacy. Eddie Brock (Topher Grace), que mais tarde irá transformar-se no vilão vingativo Venom, antes de conhecer Parker estava saindo com... Gwen Stacy. Enfim, é mais fácil ser mordido por um queijo cottage radioativo que reunir tantas coincidências convenientes ao texto - e aqui só menciono uma de uma dezena. Há algumas muito piores, mas não quero estragar surpresas (desagradáveis). Onde está o acaso genuíno?
Nesse ponto o filme é tão falho que chega a denegrir toda a história da série. A palavra, pra quem não faz parte do nosso restrito mundinho nerd, diz respeito às "correções de continuidade" quando a origem ou o passado de um personagem não se adequam a uma necessidade narrativa contemporânea e roteiristas dão um "jeitinho", geralmente safado, de alterá-la. Sam Raimi, seu irmão Ted e Alvin Sargent fazem exatamente isso em Homem-Aranha 3, mexendo lá atrás, na morte do Tio Ben, que estava tão bem resolvida no primeiro filme. E o público ficou estúpido repentinamente?
Rumores dizem que as filmagens começaram sem um roteiro concluído. Ao término de Homem-Aranha 3 fica a sensação de que isso realmente aconteceu, tamanha a quantidade de absurdos.
Isso não significa, porém, que Homem-Aranha 3 não agrade por diversos outros aspectos - estéticos principalmente. A dinheirama sobra na telona, com efeitos especiais de cair o queixo nos nada menos que três novos vilões. O Homem-Areia (Thomas Haden Church), apesar de psicologicamente não chegar aos pés do saudoso Doutor Octopus (Alfred Molina, no segundo filme), dá um show de estilo. Sua transformação é sensacional, bem como seus agigantados arroubos de fúria granulada. Venom, o aguardadíssimo "Aranha do mal", está igualmente perfeito, idêntico aos quadrinhos. Menos interessante é o Novo Duende (James Franco), mas a cena de pancadaria aérea entre ele e o Amigão da Vizinhança é das melhores do filme.
Sensacional também é a seqüência em que Parker, dominado pelo simbionte alienígena que praticamente caiu do espaço nele (olha a coincidência absurda aí de novo... com uma área de 85 km² só em Manhattan, o bicho vai cair logo no pé do Aranha?) sai pela cidade totalmente alterado, seguro de si e totalmente sexy. É engraçadíssima e, mesmo sem efeitos e cascatas de dinheiro, faz valer o ingresso, juntamente com outras maravilhosas cenas cômicas (J.J. Jameson, a participação de Bruce Campbell...) que resgatam um pouco de dignidade ao texto.
Certos filmes crescem no público depois de serem assistidos. Homem-Aranha 3 empalidece. Filme fraco, sem sal, sem graça. E pensar que eles planejam fazer mais um trilogia... aranhas radioativas!
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