30 junho 2007

Premonições



Nota: 6

Mais tarde...

Piratas do Caribe - No Fim do Mundo



Nota: 2

Não tenho tempo agora...

Escola do Riso



Nota: 3

depois...

12 junho 2007

Infância Roubada



Nota: 9

O ambiente urbano, o lado sujo da metrópole, o choque de classes, o rap da trilha sonora... Tudo no início de Infância Roubada (Tsotsi, 2005) leva a crer que aquela história ambientada na periferia de Johannesburgo, na África do Sul, poderia se passar em qualquer lugar no mundo - pelo menos em qualquer lugar onde o caos e a violência se tornaram hábito.

Seria um alívio, diante de tantos outros vencedores do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro que exportam exotismo para gringo ver, assistir a uma trama universal. A fórmula de Tsotsi, porém, é mais ardilosa: cutucar no resto do Ocidente o sentimento de culpa pelo abandono da África. E deve ter sido por isso que o diretor Gavin Hood levou o careca dourado da categoria em 2006.

Tsotsi é o apelido de um jovem (Presley Chweneyagae) revoltado com a vida. Foi a sua infância que o determinismo social levou. Hoje Tsotsi lidera um quarteto que faz assaltos no metrô e bebe desocupadamente na favela. Um dia, porém, ao fugir de uma briga de bar, ele vai parar na vizinhança endinheirada da cidade. Tenta roubar um carro e acaba atirando na motorista. No banco de trás há um bebê, que no meio do desespero Tsotsi acaba levando consigo.

Com 20 minutos de filme não precisa ser um gênio para saber como ele vai terminar. Previsibilidade, além das lições de moral, é outro quesito que vale pontos numa premiação que nivela por baixo como o Oscar. Evidente que Tsotsi espelhará no bebê a infância que não teve, e dessa experiência tirará não só o acerto de contas com o passado como a merecida redenção.

A sua relação com as outras pessoas, mesmo os membros de sua gangue, sempre é tensa. Tsotsi parece desprovido de sentimentos, é como um autômato preocupado apenas com sua sobrevivência e em amedrontar os demais. Isso muda com a chegada do bebê.

Essa figura será responsável por despertar novos sentimentos em Tsotsi. A vida do rapaz sempre foi construída em cima de medos e necessidades, o que o transformou numa pessoa violenta. A chegada da criança quebra esse ciclo - não porque o protagonista se regenere, mas porque não terá mais tempo para nada a não ser cuidar do bebê.

Infância Roubada é baseado num livro de Athol Fugard, já publicado no Brasil. A obra foi escrita na década de 1960 mas só foi publicada em 1980, quando a África do Sul ainda vivia sob o regime do apartheid. O filme mostra que pouca coisa mudou naquele país ao longo dessas últimas décadas.

No entanto, a forma ingênua com que se conduz Infância Roubada diminui a sua força. No filme, tudo se resolve muito facilmente, bem diferentemente da vida real. No fim, segue a fórmula sentimental de produtos hollywoodianos sobre personagens que encontram redenção, o que explica facilmente sua premiação no Oscar.

Hood não pega leve - se ele tem uma qualidade é ir no fundo no que propõe - e mostra como a inépcia de Tsotsi coloca em risco o bebê. Os momentos dos dois, a sós, costuma propiciar alívios cômicos em produções mais amenas, mas humor não é a praia de Infância Roubada. É o tom de gravidade, aliado a relações de causa e efeito das mais brutas, que acompanha a narrativa. Se é para denunciar mazelas, o filme parece dizer, que se denuncie em voz alta.

Quem aprecia obras mais sofisticadas - não no sentido de afetação, mas de aprimoramento - que não recorrem a soluções dramáticas fáceis, pode se decepcionar (um diretor mais sutil, por exemplo, não verbalizaria a questão do caráter, mas a deixaria implícita). Quem gosta de alimentar pesos na consciência - e não necessariamente expurgá-los, já que sempre há a polícia pronta a lidar com os males que nós não resolvemos como sociedade - terá um filme-panfleto completo.

10 junho 2007

Transylvania



Nota: 7

Exílios (2004), o filme anterior do diretor Tony Gatlif, mostra uma francesa de ascendência argelina voltando para o país da sua família e tentando se adaptar. Ela só consegue se sentir em casa no final, depois de uma dança, um transe, que lhe desperta a herança cultural. Argelino descendente de ciganos, Gatlif acredita na música como rito - algo que nos une e nos transforma.

O caso é que, no tour pelas atrações da Romênia em Transylvania (2006), Asia Argento vivencia o contrário.

Italiana que fala inglês e mora na França, a personagem, Zingarina, chega grávida na terra do Conde, procurando o namorado músico. O sujeito havia deixado a França deportado, acredita ela. Quando se encontram, ele diz a Zingarina que não foi deportado coisa nenhuma, e sim fugiu da obsessão dela. A vertigem toma a moça - ao redor, conjuntos de violinos à la Kusturica, sapateados com palmas, italianos cantando na taberna, velhinhas desfilando no carnaval local...

Se a música é o que nos une em Exílios, em Transylvania ela divide. Cidadã do mundo, disposta a se entender com a Romênia quando corre atrás do namorado, Zingarina se vê perdida numa cultura ensurdecedora, uma cultura que a envolve mas não a assimila. É a cultura da música enquanto cartão postal - o Leste Europeu caricato que costumamos ver no cinema está ali, e Zingarina não passa de mais uma turista-espectadora dessa caricatura.

Certos cineastas tornam seus nomes conhecidos pela reiteração de temas, outros pela recorrência de universos e alguns pela sobreposição de ambos, como o argelino Tony Gatlif. Em Exílios, o diretor reafirmou sua vocação para retratar o nomadismo existencial, fruto de sua própria experiência como descendente de povos ciganos. Com Transylvania, Gatlif conduz seu público ao mesmo mundo e também emite sinais do esgotamento desse tipo de ambição autoral temática.

Desta vez, conta com a animalidade cinematográfica de Asia Argento, uma atriz que tende a fagocitar seus personagens a tal ponto que eles desaparecem em proveito de sua transformação em pura imagem. Este aspecto "diva" da personalidade de Argento, se por um lado poderia acrescentar valor ao universo de Gatlif, por outro tende a desequilibrar o resto do filme, na medida em que é sugado para dentro do umbigo da persona Argento.

Aqui, a atriz italiana faz uma garota que parte para os territórios do conde Drácula em busca de um músico por quem se apaixonou. Como nos outros filmes de Gatlif, o fim interessa menos do que a viagem, e logo o destino da personagem ficará em suspenso a fim de que ela se lance numa deriva nômade.

Gatlif tem música no sangue - e os sons do país são uma constante no filme - mas a homenagem que o diretor faz aqui é a outro ramo de sua herança, o ramo cigano. Por definição, o termo é sinônimo de nômade, de errante. E é essa porta que se abre para a redenção da personagem, a da vida cigana. Gatlif defende o povo de seus pais como símbolos de autenticidade e camaleonismo, por mais paradoxais que essas duas palavras possam soar, juntas. Para ele, a Romênia autêntica - e cosmopolita - é a dos ciganos.

Mais uma vez, o nomadismo ganha função existencial de descobertas, de revelação de outros eus, de dissolução de valores, de oposição ao emburguesamento da vida sedentária.

E não deixa de ser interessante a paixão com que Gatlif faz o espectador acompanhar suas demonstrações antropológicas, como aqui um ritual de exorcismo e as situações dramáticas conduzidas por música e dança ciganas. Nesses momentos, ele evita os riscos do exotismo, sem nenhuma glamourização dos ambientes e das práticas.

Mas o protagonismo estelar de Asia Argento, excessiva no bom e no mau sentido, transforma o filme em não muito mais que um álbum de retratos de viagem da Europa civilizada pelas bordas "bárbaras" do continente.

Esses Moços



Nota: 7

O filme baiano Esses Moços (2004) abre com um plano de Diomedes (Inaldo Santana) descendo da Cidade Alta para a Cidade Baixa, o acidente geográfico que divide Salvador em duas. A partir dali, é o mundo de baixo que conheceremos - os pobres, os velhos, todos aqueles excluídos do cartão-postal que é a Salvador do Elevador Lacerda para cima.

Diomedes é o retrato da fragilidade. Cego, idoso, vestido como um homem da metade do século passado, parece sem saber para onde ir. No meio de uma praça, é assaltado por um bando de garotos de rua. Uma menina que também vive na praça, Daiane (Chayend dos Santos), decide ajudá-lo, a contragosto da irmã mais velha, Darlene (Flaviana Silva). Daiane adota-o como avô.

Esses Moços é melancólico e nostálgico como a música de Lupicínio Rodrigues que empresta seu nome ao filme. Até o final da projeção, acompanharemos as meninas e o velho pelas desventuras da cidade, mendigando, correndo, banhando-se no mar. Esses moços é melancólico porque Salvador está o tempo inteiro tentando engolir os personagens - no encalço de Darlene e Daiane há um assassino de moradores de rua que quer levá-las para a prostituição da Cidade Alta. E é nostálgico porque Diomedes representa a ingenuidade, cega e senil, de um tempo que já não existe mais.

Nas mãos do diretor José Araripe Jr. as protagonistas tornam-se caricaturas de um universo que parece desconhecido do diretor. Entre o lugar-comum e a insistência em sublimar questões sociais inerentes ao destino das jovens, o cineasta constrói sua obra com um enredo fragmentado, principalmente em seu desenvolvimento.

No desenrolar da história, apesar de todo tipo de provações, as meninas acabam por adotar um desconhecido idoso, a quem passam a chamar de "Vô". Ele se torna tanto um enigma às irmãs - e ao espectador - como também personagem de um potencial conflito entre ambas. Afinal, a mais velha quer explorá-lo como fonte de renda e a mais jovem, como figura paterna.

Será esse o confronto que definirá Esses Moços, que tem um desfecho irreal e longe de qualquer constatação ou crítica mais contundente.

Só pela sinopse já dá para saber o que esperar. Se cabe uma ressalva, no entanto, vale dizer que o trabalho esforçado do diretor José Araripe Jr. não tem no denuncismo o seu foco principal. As boas intenções prevalecem sobre o choque.

Ainda assim, se você é o tipo de espectador que evita filme nacional porque "de miséria já basta o que se vê na televisão", não pense duas vezes e passe longe de Esses moços. A crítica mais amena possível é dizer que não há no filme nada que justifique uma exceção à regra. Se um dia quiser dar uma chance a um cinema brasileiro engajado, não escolha Esses Moços porque você pode se decepcionar em definitivo. Prefira Cidade Baixa, de Sérgio Machado.

Confidencial



Nota: 5

Já que as comparações são inevitáveis, vamos a elas. Realizados quase simultaneamente, Capote (2005) e Confidencial (Infamous, 2006) contam exatamente a mesma história: como o escritor Truman Capote dedicou-se durante seis anos à criação de sua obra-prima, À Sangue Frio (In Cold Blood), um dos maiores romances do século XX e precursor dos livros-reportagens (obras que empregam técnicas narrativas da ficção em histórias verdadeiras, pesquisadas como notícia).

A história começa em 15 de novembro de 1959, quando Capote lê no jornal uma pequena nota sobre o assassinato dos quatro membros da família Clutter, encontrados mortos na sua casa em Holcomb, Kansas. O escritor empolga-se - como uma cidadezinha interiorana, povoada por vizinhos de longa data, que se conhecem e confiam uns nos outros, está recebendo essa notícia, já que o assassino pode ser qualquer um? - Capote faz as malas e parte em direção ao oeste, farejando uma história e incapaz de prever seu dramático desfecho.

Enquanto o filme de 2005, Capote, é mais distante e calculado, Confidencial mergulha nas emoções de seus protagonistas. As abordagens refletem as origens dos roteiros. O primeiro veio de uma biografia austera de Gerald Clarke, o outro de um livro criado a partir de relatos (e fofocas) de pessoas que conheceram Capote, de George Plimpton. Apesar de se vestirem igual, falarem com a mesma voz irritante e terem os mesmos amigos e idéias, os dois Capotes não poderiam ser mais diferentes. O vivido por Philip Seymour Hoffman em 2005 é mais reservado, esconde suas cartas e um inteligente oportunista. O interpretado por Toby Jones aqui é um homem espirituoso, dividido, ligado ao seu "personagem" de À Sangue Frio por afeto e um passado de desgraças.

Tecnicamente, Capote é um filme melhor. O registro metafórico do Kansas, a transformação de Hoffman no escritor, o favorecem (o mirrado e naturalmente esquisito Jones não precisou de muita transformação para ficar perfeito). Mas Confidencial não fica tão atrás. Ao optar por uma aproximação menos mítica do autor - e muitas vezes bem-humorada -, ele facilita o relacionamento com o público com essa estranha figura. Outro grande trunfo do segundo é o elenco reunido pelo diretor Douglas McGrath (Emma, O Herói da Família), que inclui Sandra Bullock, Sigourney Weaver, Isabella Rossellini, Jeff Daniels e, especialmente, Daniel Craig. O novo James Bond rouba todas as cenas em que aparece, mostrando que Capote deveria ter investido em um ator melhor que Clifton Collins Jr. para o papel de Perry Smith, um dos dois assassinos da trama. Craig é intenso, inteligente, terno e, em alguns momentos, até assustador.

McGrath foi feliz também na utilização de trechos de entrevistas com os personagens, que parecem extraídas de um talk-show póstumo. A solução, entremeada com as seqüências encenadas, reforça o tom humano que o filme almeja, dando um lado quase documental a ele - certamente uma técnica interessante para injetar alguma novidade num gênero já bastante explorado, e ao mesmo tempo uma homenagem ao próprio pioneirismo da obra que o inspirou.

Mas qual seria o filme mais verdadeiro então, Capote ou Confidencial? Impossível saber, mas ambos merecem ser conferidos - ao menos como um exercício de cinema, provando como o olhar dos criadores pode alterar dramaticamente a mesma história, com resultados tão distintos quanto interessantes.

24 maio 2007

O Hospedeiro



Nota: 8

Quem acha que o cinema oriental se resume às escolas japonesas e chinesas (principalmente Hong Kong) está enganado. A Coréia do Sul vem caminhando a passos largos desde 1990 para se estabelecer como um dos pólos mais fortes da sétima arte. Tudo bem que a sua influência é menor do que as outras escolas citadas acima e seu apelo é ainda regional. Mas isso vem sendo revertido ao longo dos últimos anos. Prova disso foi o sucesso de Old Boy, de Park Chan-wook. Agora, mais um projeto se junta à lista. O Hospedeiro (Gwoemul, 2006) é o mais novo trabalho do jovem Bong Joon-ho, um nome a se prestar atenção. O filme se tornou a produção mais lucrativa da história da Coréia do Sul, foi ovacionado em diversos festivais e promete fazer uma ótima carreira internacional.

A trama começa com dois cientistas em um laboratório de uma base militar dos Estados Unidos na Coréia do Sul. Um deles, o norte-americano, ordena ao seu subalterno que despeje uma substância tóxica que irá escoar até o rio Han. Obviamente, o tal líquido irá gerar um mutante, um poderoso monstro que irá aterrorizar as pessoas que usam o rio como local de diversão. Com esse início, fica a impressão de mais uma produção repetitiva com os mesmos temas e situações. Que nada! Ao longo do filme, Joon-ho revitaliza o gênero. Ele cria elementos de curiosidade e suspense, que prendem o espectador em sua narrativa.

Perto do rio mora uma família que tem um quiosque de alimentação. Nele reside um pai idoso (Hie-bong Byeon), seu filho meio abobalhado Gang-du (Kang-ho Song) e sua neta (Ah-sung Ko). Fazem parte da família o desempregado Nam-il (Hae-il Park) e a competidora de torneios de arco de flecha Nam-ju (Du-na Bae). Um belo dia de sol o monstro resolve aparecer. O ataque é fenomenal e mortífero. No final, a pequena menina é levada pelo monstro. Ela é dada como morta, mas a família resolve se unir e partir em seu resgate. Ao mesmo tempo, o governo resolve isolar a área do rio. Eles acreditam que o bicho carrega um vírus letal.

O Hospedeiro é um filme de monstro. E dos bons. Tem todos os elementos característicos do estilo, além de ser uma história universal, mesmo sendo encenada na Coréia do Sul, com efeitos especiais ótimos. Apesar de não ter participado da computação gráfica, Peter Jackson deve ter ficado orgulhoso (sua empresa Weta Workshop - a mesma de O Senhor dos Anéis - cuidou do modelo da criatura). Uma produção marcada por um humor irônico, que surge nas situações mais estapafúrdias possíveis. Um humor satírico, quase absurdo. O interessante é que o tom de comédia não desvia a sua atenção. Ele é inserido para relaxar o público nos momentos mais tensos.

Ao mesmo tempo, é também uma aventura dramática embasada com um forte comentário sociopolítico. Bong Joon-ho, junto com os co-roteiristas Baek Cheol-Hyeon e Hah Joon-Won, aproveitou um incidente real que aconteceu em 2000 na Coréia do Sul para construir sua história. E o tema aqui não são só os perigos da poluição, mas a desconfiança em relação ao governo e suas costumeiras mentiras em situações como estas. E nessa crítica, nem os Estados Unidos escapam.

Escola de Idiotas


Nota: 1

Escola de Idiotas (School for Scoundrels, 2006) termina com cena de aeroporto. Você conhece cena de aeroporto, não conhece? Corre-corre no saguão, casal apaixonado perigando se separar por um vôo que já vai sair... Deve ter escrito no manual de embarque de Hollywood que gente apaixonada não precisa passar pela revista. Cadê a segurança nacional nessas horas?

Bem, repetindo, o fato é que, como milhares de outras comédias românticas, Escola de Idiotas termina com cena de aeroporto - e isso basicamente diz tudo sobre a qualidade do roteiro e o menosprezo da inteligência alheia. É a Verdade Incontestável da Metonímia Absoluta: se o filme termina com cena de aeroporto, não há mais nada que se possa fazer.

Então a questão é a seguinte (já que o filme é, por definição, metade comédia e metade romance): existe aí no meio alguma piada, nem que seja uma só, algum relampejo de originalidade, que compense o desfecho-chavão?

Aí depende do ponto de vista. Na história, Roger (Jon Heder) é um jovem guarda de trânsito que sofre de ansiedade e baixa auto-estima. Para superar esses problemas - e tentar conquistar sua vizinha, Amanda (Jacinda Barrett), mulher de seus sonhos - ele decide se matricular em um curso secreto, ministrado pelo estiloso Dr. P (Billy Bob Thornton), que ensina homens fracos a se tornarem leões. Roger aprende algumas lições - mas não demora até que o professor comece a se engraçar pra cima de Amanda também.

Depende muito, saber se virá um riso verdadeiro ou aquele riso amarelo, porque o espectador deparar-se-á com alguns tipos manjados - na classe de Roger tem o aluno careca, o aluno gordo, o aluno que ainda mora com a mãe... Estereótipos assim sempre redundam nas mesmas piadas, e rir delas depende muito do nível de tolerância do espectador. Em outras palavras, não há no texto ou na construção dos personagens nada muito ousado ou original.

Mas Jon Heder ajuda - e o filme, no fim das contas, é sobre ele e sua rivalidade com o canastrão Bob Thornton. Alçado ao estrelato depois de Napoleon Dynamite, atualmente em cartaz nos EUA com Escorregando Para a Glória, Heder é daqueles abençoados com uma feiúra singular - o avanço dos dentes se favorece pelo recuo do queixo e a boca aumenta em comparação com os olhos pequenos. Quando Heder tira a camisa, então... Ser feio e saber tirar proveito disso é o seu grande talento.

E a melhor qualidade dentre as poucas de Escola de Idiotas, mérito do diretor Todd Phillips (Caindo na estrada, Starsky & Hutch), é saber se aproveitar do desconstrangido Heder. Quando o ator veste aquele shorts "saint-tropeito" de jogar tênis, a câmera o enfoca de baixo para cima. Quando Heder veste a sunga para pular na piscina, Phillips pega o bailado submerso do branquelo magriça de todos os ângulos. A câmera parece ter afeição especial pelo close-up do ator - mesmo nos momentos "dramáticos" aquela boca dentuça sorri para nós, o que dá ao filme um sadio espírito de descompromisso, ainda que por um segundo.

Nesse ponto, Escola de Idiotas sabe muito bem seguir a grande linha da comédia recente de Hollywood (O Âncora, O Virgem de 40 anos, etc.), que é a linha do humor de constrangimento. O ator pode até se desinibir, mas a insistência da câmera em expor seu ridículo, em planos com duração maior do que a montagem padrão exige, transforma aquela desinibição em constrangimento para o espectador.

Se o filme fosse por esse caminho o tempo inteiro, seria ótimo. Mas há aquela responsabilidade com a fórmula - o personagem sempre precisa sofrer de amor entre uma piada e outra, ficar plantado sozinho com a flor na mão, tomar um temporal na cabeça quando sai de casa sem o guarda-chuva, correr pelo aeroporto... Não há boa vontade que resista. Desse jeito ainda vão inventar um beijo-na-chuva dentro do avião.

Homem-Aranha 3



Nota: 2

No primeiro filme ele ganhou seus poderes e aprendeu que deveria usá-los com responsabilidade social. No segundo, quase sucumbiu ao estresse dessa filantropia superpoderosa. No terceiro, desfruta de uma recém-adquirida celebridade - e paga o preço do sucesso e do distanciamento.

De certa forma, Sam Raimi, o criador independente de obras cultuadas como a trilogia Uma Noite Alucinante, também sofreu do "Mal de Parker". No terceiro filme da série que adapta as aventuras dos quadrinhos do maior herói da Marvel Comics, o cineasta - hoje também uma celebridade - teve um dos orçamentos mais gordos já vistos no cinema: insanos 258 milhões de dólares. Com isso, empolgou-se com efeitos e possibilidades técnicas e desconectou-se do que fez os dois primeiros longas tão excepcionais, o roteiro.

O maior erro de Homem-Aranha 3 é primário e encontrado em grande parte dos filmes de Hollywood: a necessidade de amarrar obsessivamente todos os personagens e obrigatoriamente inseri-los dentro do arco narrativo. Mania de curso de roteiro do tipo "receita de bolo" (quem já leu qualquer coisa do Syd Field sabe do que estou falando), em que todos os personagens precisam partir de um ponto e chegar noutro, aprender alguma coisa, crescer. Diabos, por que eles não podem passar o filme inteiro sem aprender coisa alguma? Por que todos os antagonistas têm que dividir núcleos dramáticos?

Nos filmes anteriores, algumas dessas idéias já apareciam, mas como o grupo era menor, ficava mais fácil explicá-las e justificá-las. Já o excesso de "gente" no terceiro filme exige um grau da chamada "suspensão de descrença" que desafia as leis da lógica - até mesmo as de um filme em que o protagonista foi mordido por uma aranha geneticamente alterada! Um exemplo simples pra ilustrar isso: Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard) é colega de sala de Peter Parker (Tobey Maguire). Ao salvar um prédio em perigo na Ilha de Manhattan (1,5 milhão de habitantes), o Homem-Aranha depara-se justamente com... Gwen Stacy. Ao marcar um jantar romântico com Mary Jane (Kirsten Dunst) em um dos milhares de restaurantes da cidade, Parker encontra-se com... Gwen Stacy. Eddie Brock (Topher Grace), que mais tarde irá transformar-se no vilão vingativo Venom, antes de conhecer Parker estava saindo com... Gwen Stacy. Enfim, é mais fácil ser mordido por um queijo cottage radioativo que reunir tantas coincidências convenientes ao texto - e aqui só menciono uma de uma dezena. Há algumas muito piores, mas não quero estragar surpresas (desagradáveis). Onde está o acaso genuíno?

Nesse ponto o filme é tão falho que chega a denegrir toda a história da série. A palavra, pra quem não faz parte do nosso restrito mundinho nerd, diz respeito às "correções de continuidade" quando a origem ou o passado de um personagem não se adequam a uma necessidade narrativa contemporânea e roteiristas dão um "jeitinho", geralmente safado, de alterá-la. Sam Raimi, seu irmão Ted e Alvin Sargent fazem exatamente isso em Homem-Aranha 3, mexendo lá atrás, na morte do Tio Ben, que estava tão bem resolvida no primeiro filme. E o público ficou estúpido repentinamente?

Rumores dizem que as filmagens começaram sem um roteiro concluído. Ao término de Homem-Aranha 3 fica a sensação de que isso realmente aconteceu, tamanha a quantidade de absurdos.

Isso não significa, porém, que Homem-Aranha 3 não agrade por diversos outros aspectos - estéticos principalmente. A dinheirama sobra na telona, com efeitos especiais de cair o queixo nos nada menos que três novos vilões. O Homem-Areia (Thomas Haden Church), apesar de psicologicamente não chegar aos pés do saudoso Doutor Octopus (Alfred Molina, no segundo filme), dá um show de estilo. Sua transformação é sensacional, bem como seus agigantados arroubos de fúria granulada. Venom, o aguardadíssimo "Aranha do mal", está igualmente perfeito, idêntico aos quadrinhos. Menos interessante é o Novo Duende (James Franco), mas a cena de pancadaria aérea entre ele e o Amigão da Vizinhança é das melhores do filme.

Sensacional também é a seqüência em que Parker, dominado pelo simbionte alienígena que praticamente caiu do espaço nele (olha a coincidência absurda aí de novo... com uma área de 85 km² só em Manhattan, o bicho vai cair logo no pé do Aranha?) sai pela cidade totalmente alterado, seguro de si e totalmente sexy. É engraçadíssima e, mesmo sem efeitos e cascatas de dinheiro, faz valer o ingresso, juntamente com outras maravilhosas cenas cômicas (J.J. Jameson, a participação de Bruce Campbell...) que resgatam um pouco de dignidade ao texto.

Certos filmes crescem no público depois de serem assistidos. Homem-Aranha 3 empalidece. Filme fraco, sem sal, sem graça. E pensar que eles planejam fazer mais um trilogia... aranhas radioativas!