Hora de Voltar
Nota: 7,5
Quem assiste à série cômica Scrubs - uma das mais engraçadas da atualidade - sabe que o Dr. John "JD" Dorian (Zach Braff) não é o exemplo de pessoa normal. Excêntrico, inseguro e meio atrapalhado, ele arruma as mais diversas confusões ao lado do seu amigo cirurgião Dr. Turk e a Dra. Elliot. Pois eis que a estréia de Braff como roteirista e diretor de cinema foi uma das ótimas surpresas do Festival de Sundance de 2004.
Ao contrário do que se pode imaginar, Hora de voltar (Garden State, 2004) não é uma comédia nonsense como a série de TV da qual Braff é um dos protagonistas. Trata-se na verdade de um ótimo drama cômico independente realista norte-americano. Achou o rótulo um pouco complicado? Então entenda apenas que o filme retrata a vida de pessoas que são diferentes do que se considera normal e ao mesmo tempo muito parecidas conosco. É isso mesmo, estou dizendo que no fundo, todos temos um pouco de insano em nossas vidas.
No início da história, Andrew "Large" Largeman (Braff) aparece como um cara sem emoções. Ator e garçom em Los Angeles, ele mora longe da casa de seus pais há muito tempo, desde que foi mandado para um colégio interno. A relação com eles está longe de ser boa e sua vida é regida por um coquetel de remédios, principalmente lítio. Os medicamentos são prescritos pelo seu psiquiatra, que não por acaso é também seu pai (Ian Holm, o Bilbo de O Senhor dos anéis).
Ao saber da morte de sua mãe, Large volta para casa depois de muito tempo e tem de encarar de frente não apenas o seu pai, de quem vivia fugindo, mas também seu passado, que estava enterrado sob as pílulas. Em seu retorno a Garden State, Large revê ainda os amigos e conhece uma nova garota, Sam (Natalie Portman). A princesa Amidala da série Star Wars, que recentemente ganhou um Globo de Ouro por Closer - Perto demais (2004), dá outro show de interpretação. Sam é a cor que dá vida a Large, mesmo sendo cinza.
O elenco todo é cheio de surpresas. Boas surpresas! Além de Braff, Portman e Holm, há espaço para Peter Sarsgaard brilhar como Mark, o ex-melhor amigo que acabou virando coveiro. É Mark quem vai levá-lo às festas regadas a ecstasy, maconha, bebidas e menininhas. Porém, quem já passou pela experiência de sair da casa dos pais em uma cidade pequena e se mudar para um grande centro, sabe que é difícil achar que aquela ainda é a mesma cidade. Parece uma viagem no tempo. Todo o resto ao seu redor continua a mesma coisa, como se nenhum segundo tivesse se passado, mas a grande verdade é que uma coisa muito importante ali mudou: você.
Um "amigo de um amigo meu" certa vez me disse que o Orkut era um erro. Ao entrar naquele site de relacionamentos, você estava reabrindo portas do passado que nem se lembrava que existiam. Hora de voltar tem muito disso. Como o próprio Zach Braff disse, este é um filme em que eventos ocorrem "como deveriam se você é aquele cara que volta para casa de repente. Você encontra pessoas que um dia conheceu, sai com elas. E então você nunca mais as vê". O bom é que, livre dos remédios, Large consegue ver no seu passado a chave para o que ele é hoje e consegue deixá-la para trás, partindo em busca do seu futuro. O melhor é que, livre dos vícios de Hollywood, Braff pode ter um futuro brilhante no cinema.