03 março 2005

Eterno Amor



Nota: 7,5

O cinema é a arte da sugestão. Os grandes filmes alimentam-se do "não-dito" e do "não-mostrado". Hitchcock, por exemplo, filma Tippi Hedren a meio-plano enquanto os corvos se amontoam no varal atrás dela. Só que os pássaros não aparecem no enquadramento. Como sabemos que eles estão lá em número cada vez maior? Simplesmente sabemos, porque o mestre do suspense insinua. A melhor maneira de prender o espectador à trama é instigar a sua imaginação.

O cineasta francês Jean-Pierre Jeunet trabalha de maneira oposta. Nutre uma obsessão tão intensa pela perfeição, pela verdade absoluta, que não se incomoda em dizer tudo e mostrar tudo - simultaneamente. O narrador de O Fabuloso destino de Amélie Poulain (2001), o seu filme anterior, fala de uma menina que espetava morangos nos dedos. Temos poucos milésimos para imaginar a cena. Jeunet a mostra em seguida. Como se trata de uma fábula, fica até gracioso.

Mas em Eterno amor, a segunda e milionária colaboração da estrela Audrey Tautou com o cineasta, essa overdose de informações começa a incomodar. Ainda mais por ser uma história detetivesca, cheia de idas e vindas, detalhes e pontos de vista e participações especiais, como a de Jodie Foster, que demonstra mais uma vez que sabe falar francês correntemente, como a viúva de uma das vítimas. Desta vez, a atriz interpreta Mathilde, uma jovem francesa que perdeu o noivo na Primeira Guerra Mundial. Pelo menos é o que dizem, pois nunca encontraram o corpo de Manech (Gaspard Ulliel). O mistério só aumenta: boa parte do seu pelotão, formado por desertores condenados à morte, como o próprio Manech, também sumiu quando largado na terra de ninguém, entre as trincheiras francesas e as miras alemãs.

O governo francês se omite diante da vergonha desses soldados que se ferem para conseguir a dispensa. Os escassos documentos oficiais são todos confidenciais. Só resta a Mathilde vasculhar a vida de cada um deles, buscar as suas famílias, para tentar chegar ao Manech que ela ainda acredita estar vivo.

Essa premissa grandiosa tem potencial. Amores em tempos de guerra sempre dão bom caldo. E o romance homônimo de ficção que Sébastien Japrisot (1931-2003), tido como o Graham Greene (1904-1991) francês, publicou em 1991 tira a sua força justamente dessa redenção de homens que, em teoria, traíram a sua pátria por puro medo.

Os planos iniciais de Eterno amor são fabulosos. Algemados, os condenados atravessam uma trincheira sob os olhares dos compatriotas. Não é preciso palavras para percebermos que esses olhares misturam desprezo e comiseração. Muitos combatentes ali, desesperados, também tentarão a dispensa, compreende-se. Pena que o esteta Jeunet não confie, no resto do filme, nesse poder comunicador das suas imagens cheias de cor. A certa altura, Mathilde cerra os punhos na janela quando chega o carteiro, e a narradora da história diz: "Mathilde cerra os punhos na janela, e...".

O filme é extremamente bem produzido, com incrível reconstrução de época. E disputa o Oscar de direção de arte e fotografia este ano.

Jeunet continua com a mania de ilustrar tudo. Por exemplo, se uma coadjuvante vai ser gutilhotinada, é mostrada essa morte, ou alguém subindo no farol, às vezes em imagens múltiplas.

Não há dúvida de que o filme tem um visual de grande beleza e fotogenia. Mas depois de um tempo, a história começa a cansar e a teimosia da heroína chega a irritar.