Constantine
Nota: 7
Antes de ser realizado, o primeiro filme de Harry Potter passou por uma polêmica entre os fãs. Os produtores queriam que o menino bruxo, um britânico, se transformasse em estadunidense e que a aventura, toda passada na Inglaterra, cruzasse o Atlântico até as terras ianques. Felizmente, a escritora Joanne Rowling bateu o pé e exigiu o direito de aprovação de todos os elementos da história com antecedência. Do contrário, o filme não poderia ser realizado. Assim, todos os fãs puderam respirar aliviados já que o Harry Potter que veriam nas telonas seria exatamente o mesmo das páginas dos livros.
John Constantine, também britânico, também bruxo, não teve a mesma sorte. Na adaptação para o cinema do cultuado gibi Hellblazer, parte da linha de quadrinhos adultos da DC/Vertigo, foi obrigado a perder o sotaque, os cabelos loiros e a deixar de viver na terra da Rainha. Mas a comparação entre os dois personagens pára por aqui. Diferente de Potter, os direitos autorais de Constantine não pertencem a um autor (apesar dele ter sido criado pelo genial inglês Alan Moore), mas sim a uma corporação. E você sabe o que dizem das corporações... elas precisam dar lucro. Dessa forma, para agradar o público norte-americano, todas as referências à terra natal de Constantine foram apagadas e ele tornou-se um cidadão dos Estados Unidos. A boa notícia é que ele certamente não vota em George W. Bush.
Apesar das mudanças estéticas, a alma cinza (tanto pela personalidade quanto pela fumaça de cigarro) de Constantine permanece intacta. O velho ocultista dos quadrinhos mantém seu charme, seu cinismo e o humor negro na versão hollywoodiana. O papel título caiu como uma luva para o "predestinado" Keanu Reeves (leia entrevista), que viu casados com perfeição seus talentos notoriamente limitados com a atitude blasé do personagem.
Na história das telas, Constantine é um exorcista veterano, que cruza as ruas de Los Angeles atrás de qualquer coisa que comprometa o equilíbrio das duas "superpotências originais", o Céu e o Inferno. Desde o início da humanidade, Deus e o Diabo mantêm um pacto: podem influenciar o livre-arbítrio das pessoas, tentando levar suas almas para um dos dois planos. Seus agentes são os mestiços, anjos e demônios que caminham pela Terra disfarçados como nós.
Logo em sua infância, Constantine descobriu ser um dos poucos humanos capazes de ver tais criaturas como elas realmente são. O peso cobrado por essa habilidade levou-o a tentar o suicídio quando jovem, o que selou suas chances de ir para o Céu quando morresse (lembre-se que o ato é um pecado mortal para os católicos). Desde então, ele dedicou sua vida à luta contra o demônio, como uma forma de comprar sua entrada no Paraíso, mas sempre deixando claro seu desprezo pelos dois lados da equilibrada equação.
As coisas começam a mudar quando uma série de eventos prenuncia que algo bastante estranho está ocorrendo nos círculos do inferno... obviamente, caberá ao anti-herói a missão de descobrir a razão desses eventos e impedi-los de acontecer. Mas seu tempo é escasso, pois além de tudo ele está com câncer de pulmão e não deve durar muito.
Nessa missão, o ocultista encontra diversos - e fantásticos - personagens coadjuvantes, como a detetive Angela Dodson, vivida com a enorme competência habitual por Rachel Weisz (O júri). Católica devota, ela tenta provar a todo custo que sua irmã gêmea não cometeu suicídio e sua investigação a leva até o lendário John Constantine e à sua realidade surrealista. Além de Weisz, Djimon Hounsou (Terra de sonhos) também faz um ótimo trabalho como o feiticeiro Papa Meia-Noite, dono de uma casa noturna que serve como território neutro para anjos e demônios. Em um papel menos empolgante, como o demônio Baltazar, há o vocalista da banda Bush, Gavin Rossdale, que até parece interessante, mas empalidece quando surge nas telas a fabulosa Tilda Swinton (Até o fim). Ela interpreta o andrógino anjo Gabriel de tal forma que o estilo do personagem deveria ser adotado também nos quadrinhos. Por último, há o versátil Peter Stormare (Minority Report) como Lúcifer, que divide o fantástico clímax - que contém as melhores cenas de toda a trama - com Keanu Reeves.
Tecnicamente, o filme também agrada. O talentoso diretor de videoclipes Francis Lawrence criou uma atmosfera que dificilmente poderia ser mais precisa, mesmo se o filme fosse passado no velho continente. Ele mantém a história sempre ancorada na realidade, até quando somos levados às profundezas do inferno, que surge como uma versão nuclear de nosso próprio plano. Há apenas alguns pequenos deslizes, como o excesso de computação gráfica numa briga contra um demônio feito de insetos e um ou dois sustos gratuitos.
Ao final da projeção, Constantine resulta competente e muito satisfatório, bastante superior à grande maioria dos suspenses de Hollywood surgidos nos últimos dois ou três anos. Os fãs mais ardorosos, claro, devem reclamar das mudanças, mas não dá para culpá-los. Será que o público reagiria tão mal assim se as características físicas do personagem fossem mantidas? Não me lembro de Harry Potter ter ido mal nas bilheterias...
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