Sob o Efeito da Água
Nota: 6,5
Em Sob o Efeito da Água, seu segundo longa-metragem, o diretor Rowan Woods novamente comprova que é mestre em criar uma atmosfera forte, muitas vezes pesada, sombria. Apesar dos ecos da trama árida de seu trabalho de estréia, Os Garotos, sobre violência na classe baixa australiana, Sob o Efeito da Água alcança momentos de grande beleza, graças em grande medida à presença da atriz principal Cate Blanchett, em seu primeiro papel australiano desde Oscar e Lucinda, de 1997.
Depois de representar uma série de papéis internacionais de destaque, incluindo a atuação que lhe valeu um Oscar em O Aviador, Blanchett surge longe dos papéis de época que parecem ter sua preferência, fazendo algo raro: representando um personagem de sua idade, que fala com seu próprio sotaque.
Mesmo com temas sombrios como criminalidade e dependência de drogas, este filme australiano criado por uma ótima equipe independente, com um orçamento minúsculo, deve beneficiar-se da presença de Blanchett e apresentar bom desempenho no circuito internacional do cinema de arte. A história é ambientada na multicultural zona sudoeste de Sydney, um lugar marcado pelas drogas e o crime organizado. O talento de Rowan Woods consiste em acrescentar coração e alma a personagens que, à primeira vista, não despertariam a simpatia do espectador.
Tracy Heart (Blanchett) é uma mulher que conseguiu superar uma dependência séria de drogas, mas continua cercada pelo mundo sombrio do vício. As ruas do bairro estão repletas de junkies: seu próprio irmão, o problemático amputado Ray (Martin Henderson, de Orgulho e Preconceito), está envolvido com o tráfico; sua figura paterna fraca (Hugo Weaving, dos filmes Matrix e Senhor dos Anéis) está enredado numa teia de abuso de heroína, e seu ex-namorado Johnny (Dustin Nguyen) voltou a Sydney depois de passar quatro anos no Canadá. Tracy quer começar vida nova, mas descobre que seu passado está prestes a reencontrá-la.
Sob o Efeito da Água é um drama intransigente e autêntica que tem um pouco do ambiente dos filmes britânicos realistas de Ken Loach. Apesar dos homicídios, dos bandidos e do tráfico, o filme é um estudo de personagens. E a roteirista Jacquelin Perske conduz a narrativa com habilidade através das histórias interligadas que se desenrolam em torno de Tracy.
A família está no cerne da história. À medida que seu desespero aumenta, Tracy é puxada em direções opostas por duas forças diferentes, mas relacionadas entre si. A participação de seu irmão no tráfico a chama de volta a sua vida antiga, ao mesmo tempo em que sua mãe (a veterana Noni Hazlehurst em bela atuação) se esforça para manter Tracy no caminho da recuperação. O choque entre os dois forma a dinâmica central do filme, a partir da qual as falhas dos personagens são exploradas.
Sob o Efeito da Água possui uma autenticidade sombria. A impressão que se tem é que as casas mostradas realmente são habitadas, e os ambientes são destituídos do menor indício de glamour.
Felizmente, porém, isso não impede o diretor de dar asas a sua imaginação. A direção fotográfica de Danny Ruhlmann acrescenta um brilho quase surreal que ajuda a transmitir o conflito interno de Tracy. E a presença forte da trilha sonora emotiva de Nathan Larson (Meninos Não Choram, O Lenhador) vai gentilmente distanciando o filme de uma abordagem puramente realista.
Blanchett está solta, natural e totalmente convincente no papel de Tracy, que ela imbui de uma espécie de ternura ferida.
O junkie desesperançado representado por Weaving é uma mudança corajosa empreendida por um ator sempre ousado. Ele está fisicamente transformado e magérrimo, passando por uma sequência de emoções diferentes que o levam a ser sedutor em um momento e homem destruído e desesperado no momento seguinte.
E apenas por título de curiosidade, Little Fish (nome do filme em inglês), é o nome de um frasco de heroína líquida que aparece no filme.
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