30 agosto 2006

Lemming



Nota: 7,5

Lemming - Instinto Animal foi exibido na noite de abertura do Festival de Cannes em 2005, sendo depois cotado como um dos favoritos para a Palma de Ouro. Em alguns momentos evocativo e cheio de suspense, em outros o filme é apenas tolo, mas em todo caso demonstra humor mordaz ao mostrar seus personagens perdendo o controle.

Ao todo, porém, Lemming, não se mostra à altura da expectativa gerada por seu clima ricamente desenvolvido de ameaça e anormalidade escondidas sob a superfície da vida normal. O diretor Dominique Moll fez sua estréia na competição oficial de Cannes em 2000 com o thriller bizarro Harry Veio para Ajudar, mais tarde adquirido pela Miramax.

Ele conta com duas estrelas, as atrizes Charlotte Gainsbourg e Charlotte Rampling. Mas, longe do circuito dos festivais, é provável que Lemming seja visto como um Hitchcock de segunda categoria, ou, melhor, um David Lynch de terceira.

Laurent Lucas, que atuou em Harry, é Alain, engenheiro de automação doméstica que cria engenhocas como uma webcam voadora. Com isso, as pessoas podem acompanhar o que acontece em suas casas, pelo computador, enquanto estão longe. Mas os problemas de Alain começam justamente quando ele está em sua casa.

Ele e sua mulher, Benedicte (Gainsbourg), oferecem um jantar para o novo chefe de Alain, Richard Pollock (Andre Dussollier), e a mulher dele, Alice (Rampling). Primeiro a pia da cozinha fica entupida por um roedor preso no encanamento. O roedor é um lemingue, um animal que vive na Escandinávia e não deveria estar presente num encanamento francês.

O casal Pollock chega muito atrasado. Em meio a um silêncio estarrecido, Alice informa que o atraso se deve ao fato de que seu marido demorou mais do que o normal com uma de suas prostitutas. Momentos depois, ela joga seu cálice de vinho no rosto de Richard. A noite é um desastre. No dia seguinte, Alice passa pelo escritório e tenta seduzir Alain. Ela quase consegue. Na manhã seguinte ela vai até a casa de Alain, consegue que Benedicte a convide para entrar, tira uma soneca e então comete suicídio.

É tudo muito chocante. Mas há choques ainda maiores pela frente, quando o espírito da morta parece tomar conta do corpo de Benedicte, e Alain pensa que viu centenas de lemingues na casa, quando, na realidade, o que aconteceu é que ele adormeceu ao volante e se envolveu num acidente. O fato de o público assistir ao filme até o fim, ou, pelo menos, continuar interessado em saber o que vai acontecer, é um tributo a Moll e ao senso de humor do co-roteirista Gilles Marchand.

Infelizmente, o filme é demasiado dependente dos choques e sustos, além do fato de não conseguir tornar o elemento sobrenatural convincente. Os atores fazem um trabalho sólido nos quatro papéis principais. Laurent Lucas carrega a maior parte do filme nas costas, como o personagem que vive um colapso total de personalidade. Homem controlado, que trabalha com tecnologia moderna, seu Alain acaba perdendo a certeza de quem ele mesmo é e de quem é sua mulher.

Moll reproduz, como em Harry, seu interessante tripé estilístico: o filme segue como um thriller de humor negro que abre espaço ao fantástico. Uma insuspeita força da obra é a presença aterradora de Rampling, que tem as falas-chave do roteiro. Há algo de hitchcockiano em Moll, mas sua visão de mundo é de poucas cores.