Factotum
Nota: 7
Ler um livro de Charles Bukowski (1920-1994) não é para qualquer um. Ele foi um poeta, contista e novelista que sempre permeou sua obra com personagens perdedores e que tinham um apetite voraz por bebida e sexo. Ele mesmo era assim. A única diferença é que Bukowski temperava ainda mais na ficção esse lado destrutivo e sem esperanças. Apesar de não concordar com essa definição, o escritor era considerado um dos maiores idealistas da geração beat. Seu personagem mais famoso foi Henry Chinaski, que em muitos aspectos é uma espécie de alter-ego. Chinaski é o protagonista em cinco livros e outros pequenos contos e poemas.
A trilogia Factotum, Post Office e Women representa três momentos da vida de Chinaski. O primeiro livro é considerado pela crítica o melhor dos três. O diretor norueguês Bent Hamer o escolheu para servir de base para seu novo longa-metragem.
Factotum (2005) nos apresenta Chinaski na primeira fase de sua vida. Após alguns anos na faculdade de jornalismo ele resolve ser um escritor. Passa, então, a enviar semanalmente contos e histórias para a Black Sparrow Press (editores na vida real de Bukowski). Ele nunca recebe uma resposta da editora, ocasionalmente fica desesperançoso, mas como ele mesmo explica, "basta ler outros autores, para se sentir encorajado em continuar tentando".
Chinaski é um anti-herói que muda de emprego e mulher na mesma velocidade que entorna uma garrafa de uísque. Toda vez é despedido porque abandona o serviço para encher a cara no bar da esquina. Ele já foi entregador de gelo, motorista de táxi, funcionário de uma fábrica de pepino, mecânico de uma loja de bicicletas e até limpador de estátuas.
Durante a trama ele se relaciona mais seriamente com duas mulheres. Jan é a mulher dos sonhos de Chinaski, a companheira perfeita. Ela adora um porre, fumar cigarros e sexo. As cenas envolvendo os dois são hilárias. Ao ganhar várias apostas em corridas de cavalos, Chinaski acaba melhorando de vida. Começa a se vestir melhor e a beber um uísque decente. Mas como nem tudo pode ser perfeito, a sua preocupação com o pequeno sucesso o negligencia de sua vida sexual com Jan. Ela acaba brigando com ele e diz preferir que ele volte a ser o mesmo vagabundo de sempre. A sua segunda companheira é Laura, uma espécie de “vamp” em decadência. O relacionamento também não dura muito, pois ambos estão mais interessados em bebida do que qualquer outra coisa.
O elenco está soberbo. Matt Dillon dá um show interpretando Chinaski. Todas as nuances do personagem são apresentadas com extrema competência. Seu olhar, o modo de andar e falar retratam com perfeição o Chinaski dos livros. Suas companheiras de porre e cama no filme, Jan e Laura, são interpretadas por Lili Taylor e Marisa Tomei, respectivamente. Ambas estão brilhantes. Tomei está completamente desfigurada no papel de uma mulher completamente destruída por sua escolha de vida. Taylor consegue estar ainda melhor.
O diretor Bent Hamer soube fazer o dever de casa direitinho. Sabiamente ele não tentou construir uma narrativa tradicional. Seu filme é uma coleção de anedotas e incidentes. O roteiro tem uma estrutura ambivalente que produz um divertido eco nos personagens. Hamer transpôs esse argumento de maneira espirituosa e artística. Sua câmera é econômica e deliberadamente reproduz o mesmo ritmo vagaroso de autodestruição dos personagens. As cores pálidas e amareladas pontuam a obra, criando um certo clima de depressão. A edição é seca e irônica como as falas de Chinaski. Toda essa sintonia cria um tom informal que causa certo apego emocional a esses personagens tão arruinados. Um trabalho não só técnico, mas instintivo.
Para muitos, o modo de vida de Chinaski, com sexo e bebida ao extremo, irá parecer patético e sem propósito. Para um jovem poeta no ápice de sua formação, esse estilo, baseado na experimentação, foi necessário para sua formação e criatividade. Se fosse ao contrário, a obra de Bukowski não teria a importância que alcançou.
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