Transamérica
Nota: 7
No cinema, 2005 foi um ano pródigo em homens de meia-idade que descobrem ter um filho que nunca conheceram. Seja em Flores Partidas, seja em Estrela Solitária, esses machões desiludidos são obrigados a rever, a contragosto, um misterioso passado e ex-namoradas para imaginar, afinal, o que a vida poderia ter sido e não foi, quais os estranhos rumos que são dados a cada pessoa tomar.
O homem, ou melhor, o transexual de Transamérica - filme do ano passado que estréia agora no Brasil, no entanto, mira o futuro. Em vez de olhar para suas relações do passado e sua antiga vida, ele/ela imagina um amanhã mais promissor e vive dessa ilusão.
Bree (Felicity Huffman) está prestes a fazer a operação que a transformará de vez em mulher quando descobre que tem um filho adolescente em apuros. Seu passado não será colocado em xeque. Isso está bem resolvido em sua cabeça, já que Toby (Kevin Zegers), o inesperado filho, é fruto de uma única "transa quase lésbica". Em princípio, o rapaz é apenas um mero empecilho à realização de seu sonho, tanto que só pensará em despachar o garoto o mais rápido possível para seu padrasto.
Transamérica se configura então como um "road movie" tradicional, em que a estrada torna-se o palco das transformações pelas quais os protagonistas terão que passar. Estrada tortuosa, e não mera paródia, diga-se, mesmo que em vários momentos o filme decaia e se preocupe mais em destacar o exotismo kitsch dos personagens - como se a única intenção desta comédia dramática fosse mostrar que o transexual merece o mesmo tratamento das pessoas ditas "normais".
O único homem que vai demonstrar interesse sexual por Bree, por exemplo, é um descendente de índio, e a insinuação de que apenas um outro integrante de uma minoria, desta vez étnica, pudesse ver os encantos da personagem não é mera coincidência. Há uma divisão bem clara, entre os "estranhos" da tela (Bree e o núcleo disfuncional que circula em torno dela) e o status quo.
Na América de Transamérica, a felicidade nunca está ao alcance, ela vem sempre como um sonho inacessível escondido em algum ponto além. Nesse mundo consumista, sorrisos de mentira em fotografias escondem famílias desestruturadas, e, se a vida não deu certo - ou se a vida já começou errada, a única saída possível é mudar tudo e começar de novo. Bree terá que aprender a ser pai e mãe ao mesmo tempo, e por fim se transformar de fato naquilo que sempre fingiu ser.
O que impede que tudo se resuma a uma metáfora um tanto óbvia do transexual como sinônimo de um país como os EUA, que por fora aparenta uma coisa e por dentro é outra, é a própria condição de Felicity Huffman. Ela é intensa em sua discrição a ponto de definir o equilíbrio do filme, já que se trata de uma mulher interpretando um homem aprendendo a ser mulher. Mas Transamérica não é uma viagem em círculos. Mesmo que seja fábula moral do tipo "cuidado com o que você deseja", cutuca fundo na percepção do espectador, já que mexe com a própria idéia das representações sociais que todos exercem. E isso são coisas que não acontecem apenas nos Estados Unidos.
Com um assunto delicado em mãos como o transexualismo, o diretor chega a um admirável equilíbrio entre drama e comédia, entre o peso da história e a leveza narrativa. Tucker consegue evitar tanto o proselitismo quanto a caricatura (de filmes como Priscilla, a Rainha do Deserto). Para tanto, ele conta com a inegável ajuda da interpretação segura e precisa de Huffman. Mas existe um preço para tamanha sensatez: apesar da produção independente e dos temas polêmicos, o resultado de Transamérica fica muito próximo ao de um filme hollywoodiano convencional. Ao decidir não ofender ninguém, o diretor consegue entreter, mas não provocar.
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