26 julho 2006

Consumido Pelo Ódio



Nota: 8,5

A saga de emigrantes tentando construir uma vida nova em outra nação já rendeu ótimos filmes. Consumido pelo Ódio (Chi to Hone, 2004) mexe mais uma vez no assunto. A diferença é que desta vez a trama não se foca em europeus arriscando a sorte nos Estados Unidos, mas em coreanos indo para o Japão.

O filme abre com a já clássica cena de um barco superlotado de gente chegando em um porto. Nele está Kim Sun-pei, que chega ao Japão em 1923. Tudo isso é narrado por Masao, seu filho, que nasceu de um estupro. Com uma introdução dessas já ficamos vacinados contra o caráter de Sun-pei. Ele é um homem extremamente violento, que não aceita opiniões contrárias às suas, toma porres homéricos e mantém suas amantes em uma casa do lado da sua.

Sun-pei trata sua esposa, filhos e companheiros coreanos em Osaka com um enorme desprezo. Ele põe toda a sua família para trabalhar. Ao adquirir uma certa quantia de dinheiro, resolve abrir uma fábrica de tortas de atum. Nesse empreendimento explora os outros coreanos da comunidade pagando salários miseráveis. Ao fechar a fábrica vira agiota. A mudança de profissão só faz Sun-pei ficar cada vez mais violento e agressivo. Seu dinheiro cresce na mesma proporção que aumenta o temor de seus vizinhos. Toda vez que é contrariado desce o sarrafo, não importa em quem seja.

A história de Sun-pei é intercalada com histórias de outros personagens do filme, mas sempre tem algum membro de sua família participando da trama. Cada nova amante representa mais filhos bastardos em sua vida. Não que ele se importe, pois sua única preocupação é com ele mesmo.

Takeshi Kitano está magnífico no papel principal e carrega o filme sozinho nas costas. Talvez essa seja a melhor performance de sua brilhante carreira. Suas atitudes são carregadas de violência explícita, num realismo fora do comum. O diretor Yoichi Sai recusou que qualquer outro ator fizesse o papel e esperou por seis anos até que Kitano aceitasse o desafio. A cada nova cena é fácil entender os motivos da perseverança.

A história foi adaptada do livro semi-autobiográfico de Yang Sok. O diretor escreveu o roteiro junto com Sok, procurando enfatizar como foi a experiência dos coreanos no Japão. Ele mostra como os coreanos foram obrigados a lutar junto com os japoneses durante a 2ª Guerra Mundial e as esperanças dadas pelo governo comunista da Coréia do Norte para quem quisesse voltar ao país. Apesar de ter apresentado esses dois momentos históricos, Yoichi preferiu se concentrar na história da família, deixando de expor o preconceito racial que os coreanos sofreram nas mãos dos japoneses.

Durante 144 minutos de projeção não há como deixar de pensar em O Poderoso Chefão (1972), a obra-prima do diretor Francis Ford Coppola. A saga da família Corleone, quando comparada à de Sun-pei, provoca uma profunda reflexão. Enquanto a comunidade italiana se integrou à sociedade americana, os coreanos foram deixados de lado. Percebe-se um isolamento quase que desumano. As décadas vão passando, mas a comunidade coreana continua a mesma.

Sun-pei só conseguiu exercer sua opressão ditatorial durante tanto tempo porque os japoneses não fizeram nada para que os coreanos se integrassem à sociedade. Eles foram tratados como párias e deixados sozinhos, em uma espécie de gueto. Democracia e os direitos civis nunca chegaram àquelas ruas, em que as casas de madeira do começo do século, eram as mesmas nos anos 80, comprovando que a violência é a primeira conseqüência do preconceito.