30 agosto 2006

Obrigado por Fumar



Nota: 7

Baseado no livro homônimo de Christopher Buckley e dirigido por Jason Reitman (filho de Ivan Reitman, de Os Caça-Fantasmas), Obrigado por Fumar é uma sátira politicamente incorreta tanto à indústria do tabaco quanto ao lobby antitabagista.

O protagonista Nick Naylor (Aaron Eckhart) trabalha como porta-voz das companhias americanas de cigarro. Convocado a reverter a queda nas vendas e a imagem negativa da indústria, Naylor bola um plano ambicioso: colocar os cigarros de volta nos filmes. Como o personagem lembra, foi o cinema que emprestou glamour ao ato de fumar. "Mas hoje só europeus e psicopatas fumam nos filmes", diz Naylor.

Para concretizar seu plano, porém, ele terá de enfrentar um senador moralista (William H. Macy), que tem o projeto de colocar rótulos de veneno nas embalagens de cigarro; uma repórter oportunista e sedutora (Katie Holmes); e um grupo de terroris mo antitabagista, que o ameaça de morte.

Mais do que a indústria do cigarro e seus inimigos, o verdadeiro tema de Obrigado por Fumar é a chamada "culture of spin" ou cultura da manipulação de informações. Especialista no assunto, Naylor tem a missão de convencer os consumidores a comprar um produto que eles sabem ser prejudicial à saúde. Seu argumento preferido é o da "liberdade pessoal" -mesma desculpa usada pelo governo Bush para muitas de suas ações.

A pergunta fica no ar o tempo todo em Obrigado por Fumar. O personagem principal, o lobista Nick Naylor, acredita que sim. Na democracia do consumo, afinal, ninguém força ninguém a comprar nada. Acontece que os fatos - e os seus próprios atos - desmentem Nick Naylor. O lance é saber se ele está sendo sincero, ingênuo ou terrivelmente irônico.

Fazer lobby - representar os interesses de uma entidade e influenciar outras - é uma profissão legalizada nos Estados Unidos. Não que ela seja bem vista, pelo contrário. O caso de Nick é quase cômico. Ele personifica publicamente a indústria do tabaco, ou seja, tenta convencer pessoas e instituições de que cigarro não é ruim. Por que faz isso? "Pelo mesmo motivo dos condenados em Nuremberg... Para pagar minha hipoteca", zomba, comparando-se aos nazistas julgados no pós-Guerra.

Falando diretamente ao espectador, em narração em off, Nick é como a voz, o alter-ego, do diretor Jason Reitman. O texto é afiado, equilibra drama e comédia sem nunca ficar rasgado ou meloso demais. Eckhart tem o seu charme, e Nick é indiscutivelmente bom no que faz - tão bom que não é difícil ficar do seu lado.

Na trama, o lobista trava mais uma batalha contra os antitabagistas. O senador democrata Ortolan Finistirre (William H. Macy) quer instituir nos maços a imagem de uma caveira, para mostrar às pessoas que o cigarro faz mal à saúde. Na defesa dos interesses de seu patrão, Nick contesta o senador com base na teoria universal do ser liberal. Diz que só fuma quem quer, que todo mundo sabe que cigarro mata (inclusive todo fumante), e que os fumantes não querem a imagem de uma caveira lhes encarando a toda hora. É a liberdade de escolher.

Mas a briga é desleal: no meio tempo Nick exercita sua persuasão. Paga milhões para que o velho Homem de Marlboro, hoje canceroso, pare de reclamar na mídia. Procura um produtor de Hollywood para ver se consegue reemplacar o cigarro na telona, como nos filmes charmosos de antigamente. O produtor, interpretado por Rob Lowe, não apenas concorda como oferece, quem sabe, Brad Pitt e Catherine Zeta-Jones fumando um cigarro depois de transarem no espaço sideral... Não há, realmente, propaganda subliminar mais poderosa.

Aí é que está. Que liberdade de escolha é essa, quando vivemos soterrados num consumismo cada vez mais dissimulado? Há um diálogo primoroso na metade do filme que ilustra um pouco a situação.

Nick repete ao seu filho, Joey (Cameron Bright), nos fins de semana em que a mãe deixa o garoto ficar junto do pai, que o importante é argumentar. Nick diz: "Suponhamos que você defenda o sorvete de chocolate; eu, o de baunilha. Você dirá que o seu é a melhor coisa do mundo. Eu direi que a melhor coisa do mundo é poder escolher entre chocolate e baunilha". "Mas com isso você não me convenceu de que baunilha é melhor", reclama Joey. "Mas eu não quero te convencer, quero só provar que estou certo e você errado", retruca o pai.

É de se condenar essa moral maleável? Há momentos em que Jason Reitman vende a idéia de que liberdade de escolha existe, sim - e o seu lobista chega perto de se heroificar. E há essa evidência gritante de que o livre mercado é a mentira perfeita do capitalista-golpista, vendendo baunilha aos baldes para quem sequer gosta de sorvete. O que fica no ar em Obrigado por Fumar, é que fica difícil saber no que o personagem/diretor acredita de verdade.