25 julho 2006

O Samurai do Entardecer



Nota: 8

O Samurai do Entardecer, de Yoji Yamada, chega como que predestinado a uma carreira efêmera, infelizmente: é um filme fora de moda e, sobretudo, fora de hora, cruelmente arremessado no circuito cinematográfico em plena Copa do Mundo. Ou seja, dificilmente sobreviverá no circuito se o público não aparecer no primeiro fim de semana. O nome do filme, tem um significado duplo. É o apelido depreciativo do herói do filme, mas também faz alusão ao crepúsculo da era dos samurais, no Japão do século 19.

Mas esse filme não perde, por estar completamente deslocado na máquina do cinema como comércio. Por suas características intrínsecas, ele também parece um estranho no ninho do cinema que é feito hoje.

Como um típico trabalho de artesão que é, o filme se opõe, por um lado, ao grande produto hollywoodiano e, por outro, ao "puro" cinema de autor, aquele que tende a se afastar dos caminhos narrativos tradicionais. O Samurai do Entardecer não está lá nem cá, sem que isso lhe roube a personalidade.

Yoji Yamada é um veterano do cinema japonês -quando fez O Samurai do Entardecer, em 2002, tinha 71 anos-, dono de uma vasta obra praticamente ignorada fora de seu país. Entre o fim dos anos 60 e o começo dos anos 90, dirigiu comédias românticas altamente populares para os estúdios Shochiku, que ficaram conhecidas como a série Tora San (a mais longa da história do cinema, com quase 50 longas-metragens). Mas seus filmes se restringiram a sucessos locais.

Neste seu 72º longa-metragem, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2003, Yamada trata o cinema como um objeto de alta depuração (não confundir com firulas estetizantes). Cada plano de O Samurai tem uma função específica; o tratamento da luz é simples e realista sem buscar os falsos efeitos de realismo que estão tão em voga (câmera na mão, imagem tremida etc.); o personagem principal, que não é um herói típico, cumpre seu arco dramático sem se desviar do caminho.

Esse personagem é Seibei Iguchi (Hiroyuki Sanada, de O Último Samurai), homem comum cuja vida é devastada, pessoal e financeiramente, pela morte da mulher, vítima de tuberculose. Iguchi sustenta a mãe senil e as filhas pequenas (uma delas, a narradora do filme) com o salário miserável que recebe de um trabalho burocrático. Para pagar o enterro de sua esposa, ele é obrigado a vender a espada que é seu bem precioso. Ele ainda se descuida da higiene pessoal e vira motivo de chacota.

Circunstâncias inesperadas, porém, vão despertar o hábil guerreiro adormecido, quando Seibei precisa defender uma antiga paixão de infância do ataque de um bêbado.
A tradição do "filme de samurai" é evocada numa nova chave de leitura, quase neo-realista, longe do épico e da ação. O caráter marginal -e a partir de determinado momento- o caráter heróico do samurai se fazem valer justamente por suas características mais comuns (a necessidade de amar, o esforço brutal para sustentar a família etc.), e não por habilidades extra-humanas.

O mais importante, porém, é que Yamada não impõe esse tratamento com um peso
excessivamente moral ou como um papel exemplar, dignificador. Ele deixa que o tempo do filme, com sua cadência própria, dê vida àquele personagem específico -e é essa vida que transborda no filme.

O olhar contemporâneo de Yamada priva o mundo dos samurais de todo o seu glamour - mas é exatamente essa a intenção do diretor.

Os filmes épicos sobre samurais nunca refletiram a realidade dessa época. E, quando a era dos samurais entrou em declínio, o trabalho deles realmente passou a assemelhar-se mais à vida cansativa de funcionários públicos de cidades pequenas do que a uma vida de aventura e emoção.

Apesar disso, os conceitos de dever, honra e felicidade doméstica são muito reais. Assim, a nostalgia que Yamada mostra em relação aos samurais não é saudade das lutas de espada, mas da busca de Seibei por honrar esses valores, enquanto se esforça para tirar sua família da pobreza. Para Yamada, Seibei é um herói verdadeiro, algo que não tem nada a ver com efeitos especiais ou cenas espetaculares de luta.

O longa lembra muito Os Imperdoáveis. Como o faroeste de Clint Eastwood, o filme de Yamada retrata o crepúsculo de um universo e tem como protagonista um guerreiro relutante - que prefere empunhar uma enxada a uma espada, mais feliz ao lado das filhas e da amada do que entre seus pares.

O filme pode ser visto como um épico intimista e sociológico, pois o cineasta prefere registrar ritos do cotidiano a promover o espetáculo fácil das lutas e dá mais atenção às divisões de classes entre samurais do que aos códigos de honra. Ao contar a história de um guerreiro que escolhe a contemplação em detrimento da ação, Yamada não fez apenas um grande filme, como também um manifesto a favor de um cinema reflexivo.