23 maio 2006

Retratos de Família



Nota: 8

Enquanto Hollywood - com raras exceções - emburrece cada vez mais, numa autofagia explosiva de idéias que privilegia refilmagens, continuações e adaptações; seu primo pobre, o cinema autoral independente, fica cada vez mais maduro e interessante.

Retratos de Família (Junebug, 2005) é excepcional exemplo dessa balança desequilibrada. Um drama cômico extremamente simples, mas que explora com competência o sentimento de inadequação pelo qual tantos de nós passamos em algum momento da vida.

O recado é dado logo no início de forma brilhante. No meio do mato, cantores "hollers" (uma espécie de música sulista que lembra os tiroleses centro-europeus), que não têm absolutamente nada a ver com a trama, enchem os pulmões e entoam suas estranhas canções, gerando imediatamente uma estranheza exótica e ao mesmo tempo fascinante.

Deve ser exatamente isso o que sente a marchand Madeleine (Embeth Davidtz) quando segue até o interior do estado da Carolina do Norte para encontrar um artista excêntrico e aproveitar para, finalmente, conhecer a família de seu marido. Linda e antenada filha de diplomatas, ela tem sotaque britânico, nasceu no Japão e mora na cosmopolita Chicago, onde é dona de uma galeria especializada em arte transgressora.

Seu estilo de vida contrasta de maneira gritante com o dos parentes de George (Alessandro Nivola), seu marido. A mãe (Celia Weston) não gosta de forasteiros e parece incapaz de sorrir. O pai (Scott Wilson) vaga pelo porão cuidando de seus hobbies e fala pouco. O rancoroso irmão mais novo, Johnny (Benjamin McKenzie, excelente - nem parece o garoto da série The O.C.), trabalha como empacotador e largou a escola quando sua namorada, Ashley (Amy Adams), ficou grávida. E, claro, há o próprio George, que após três anos sem pisar em sua terra natal parece tão hipnoticamente perturbado que some durante boa parte do filme... até ser necessário à família.

As interações, ora levemente cômicas, ora tristes, como o próprio filme, nunca parecem exageradas ou falsas, já que o diretor estreante Phil Morrison soube reunir um elenco sensacional. Os personagens surgem reais mesmo nos casos mais estapafúrdios, como a fascinada e inocente tagarela Ashley, cuja interpretação rendeu até uma merecidíssima indicação ao Oscar para Amy Adams (uma de suas cenas, com ela sozinha na cama dói como uma faca atravessando o peito).

Um diálogo entre Madeleine e seu sogro exemplifica esse estilo de atuação. "Ela tem personalidade forte", diz a moça - educadíssima - sobre a sogra. "Ela é assim mesmo. Se esconde. Não é assim por dentro", e completa, "... como a maioria".

A opção pela narrativa descentralizada, na qual fica difícil identificar-se com um personagem específico, também é louvável, bem como a excelente utilização de econômicas elipses e a contemplativa câmera que passa às vezes segundos sem mover-se, congelada no tempo à espera de acontecimentos em quadro. A estética potencializa assim as poderosas observações sobre a família e a vida que o diretor propõe.