10 maio 2006

Tempo de Valentes



Nota: 5

"Filme de ação é coisa de homem." Poucas vezes a frase fez tanto sentido quanto em Tempo de Valentes (Tiempo de Valientes, 2005).

Não que a tela fique congestionada de Misters Universo de regata estourando helicópteros com flechas explosivas. Não é bem assim. O segundo longa-metragem do argentino Damián Szifron é um filme machista em um nível mais, hhmm, psicanalítico. Indivíduos, inicialmente em crise, recuperando a auto-estima e reafirmando as suas condições de homens através de signos do gênero de ação - é disso que trata Tempo de Valentes.

Mariano Silverstein (Diego Peretti, de Não é Você, Sou Eu) é um psicólogo meio sonolento que leva seu casamento na base da inércia. Um dia ele é convocado pela polícia bonaerense a acompanhar um policial veterano, o oficial Díaz (Luis Luque), que acaba de ser chifrado pela mulher. A idéia do comissário é não deixar que Díaz faça bobagens. Colocar um psicólogo dentro da viatura é uma maneira, por tabela, de tentar curar o abatimento do policial. O problema é que logo nos primeiros dias de convívio, bom investigador que é, Díaz logo descobre que Mariano também está sendo traído.

Nada mais desmoralizante. Ambos reconhecem que deram as suas escapadelas, que foram maus maridos, mas serem trocados por outros pelas próprias esposas é de quebrar qualquer ego. Mas eis que, no meio desse drama todo, crimes acontecem. Um carregamento suspeito, material nuclear talvez, está sendo desviado do governo por elementos do próprio Sistema de Inteligência argentino. Coisa de ladrão profissional, intriga internacional. E o capenga Díaz, que mal suspeita do tamanho da encrenca, fica encarregado do caso - com o choroso Mariano a tiracolo.

A premissa se parece um pouco com um Máfia no Divã - com o psicólogo aprendendo com seu paciente, e não ao contrário - mas fica só na premissa mesmo. O que Szifron faz, a partir do segundo terço de filme, é transformar o que parecia ser uma comédia em um filme policial de superação. Aos poucos, veja você, a dupla errante de protagonistas começa a recuperar sua hombridade.

Uma cena é emblemática. Díaz e Mariano estão no fundo do poço. Até a mulher que atende no IML os esculacha. Então a câmera pega os dois sentados numas cadeiras, encolhidos, debaixo de um desenho na parede de um tipo militar fazendo mira com um rifle. Escutam tiros. É a área de treino de pontaria. Díaz olha para Mariano. Pergunta se ele não gostaria de experimentar. E lá vai o depressivo psicólogo tentar empunhar uma pistola semi-automática... Atira mal, mas é um recomeço.

A virada sucede aos poucos. Uma visita a um ringue de boxe, uma mesa de sinuca, um momento de união com marginais desqualificados, alguns faróis vermelhos ultrapassados em alta velocidade, um cigarro de maconha dividido entre amigos... Quando se vê, não apenas as mulheres sumiram de vista como Mariano e Díaz já nem se lembram que um dia suas respectivas lhe aplicaram uns cornos. E a recuperação se deu por simples contato com símbolos de masculinidade. Sobra até para o faroeste, com seus planos abertíssimos, mostrando o homem como o ser destemido em pleno domínio de um ambiente hostil.

E há a farda, claro. Não há imagem do macho, naquilo que ele tem de mais autoritário, de imponente, que dispense uma boa farda. Mariano enverga uma como se fosse lhe conferir poderes sobrehumanos. Em nenhum momento o diretor Szifron abdica da historinha policial para tratar dos pormenores sexistas, mas ele faz questão de tratar dos dois temas paralelamente. A hora em que Mariano começa a sacar o que está acontecendo na investigação criminal é a mesma em que sua esposa, antes firme, desmorona histérica e vergonhosamente, implorando pela reação do marido.

Nem precisa dizer que o público feminino, que normalmente torce o nariz para os filmes de ação, tem todas as razões para sair de Tempo de Valentes soltando os cachorros.

Independente disso, a clicheria pode incomodar a espectadores exigentes de ambos os sexos, já que não há novidades na trama central. Do comissário subserviente a ordens superiores até o chefão do crime teoricamente intocável, todos os personagens estereotípicos do gênero estão presentes. Tempo de Valentes não é um Beijos e Tiros. Sua motivação principal não é subverter o gênero, mas trabalhar em cima das suas fórmulas consagradas, meio que implodí-las, para escancarar o princípio machista que as rege. Sob essa ótica, o filme é muitíssimo bem sucedido.