23 maio 2006

Caché



Nota: 7

O diretor austríaco Michael Haneke tem filmado ultimamente na França e usado em seu elenco os profissionais do país. Seus filmes costumam ter como personagens a classe média atingida por algum horror. Ele é um mestre no suspense e na violência abafada, surda. Grande observador do comportamento humano em situações de crises extremas e limítrofes. Diferente dos suspenses americanos, sua tensão é provocada pelo dia-a-dia comum em que as pessoas vivem em situações cotidianas.

Em Caché (2005), a trama é sobre uma família que aparentemente não tem nenhum problema emocional ou financeiro. Georges (Daniel Auteil) e sua esposa (Juliette Binoche) começam a receber fitas de vídeo com imagens de sua casa e desenhos sinistros de alguém misterioso que parece conhecê-los muito bem. Devido ao episódio, o marido reencontra um personagem de sua infância: um argelino, que se tornou pai e vive em um lugar humilde. Este encontro irá resultar em uma tragédia que mudará para sempre sua vida e a de sua família.

O filme começa de uma forma inovadora. Os créditos iniciais são apresentados de forma contínua como se fossem digitados diretamente na tela. Há uma imagem ao fundo, que o público logo descobre ser o lar do casal. O interessante é que, em vários momentos da produção, não se sabe ao certo se a cena apresentada é do filme ou da filmagem feita pela figura misteriosa. Esse tipo de informação se mistura com flashes do passado de George e lembranças antigas. O espectador fica na dúvida se a imagem é parte da narrativa, como mais um personagem, ou foi colocada para compor a história.

Haneke, um cineasta autoral, apresenta os elementos que sempre permearam sua obra: o inevitável efeito que o passado faz no presente, a assombração, a culpa pessoal ou coletiva, a paranóia criada por uma manifestação doméstica ou externa e os indivíduos que relutam em aceitar a responsabilidade por sua própria conduta ou atos. Esses aspectos são relacionados ao medo e à culpa que qualquer ser humano possa vir a desenvolver durante a sua existência. Ele tem uma visão sombria, ambígua e cínica do mundo e isso é refletido em seus filmes.

Um outro lado abordado pelo diretor é a relação entre o povo argelino e o francês. Eles têm uma história tensa, pois a Argélia foi colônia da França. A independência aconteceu há apenas 40 anos. Podemos notar a mesma relação entre os personagens, como também a relação entre o primeiro e terceiro mundo. O filme é, na verdade, uma alegoria política das relações inter-raciais. O mais desenvolvido não se preocupa com o mais necessitado. Só vê e acredita nas suas próprias necessidades.

Durante o desenvolvimento do roteiro, além dos aspectos externos que trazem desequilíbrio à família, os próprios envolvidos criam situações que desestabilizam suas vidas. A desconfiança é plantada no seio familiar, em todas as relações que há nele. Isso faz o público não ter pena dos indivíduos, pois na verdade ninguém é mostrado como santo. Ao que parece, a perfeita harmonia existente na família é apenas superficial, bastando um elemento catalisador para jogar tudo por terra.

Caché tem vários sentidos, alguns literais e outros metafísicos. A câmera pode significar uma invasão de privacidade na vida de George, mas ao mesmo tempo pode ser um elemento que irá trazer a luz ao seu passado para sua esposa e em sua própria consciência. Uma espécie de acerto de contas, possibilitando-o a enfrentar seus próprios demônios. Tanto que a última tomada do filme é tão ambígua quanto a última cena em que George aparece. O público que precisa de um final certinho pode ficar revoltado, mas isso é o que menos importa nos filmes de Haneke. Seu principal objetivo é apontar os movimentos emocionais e não resolvê-los.