10 maio 2006

Três Enterros



Nota: 7

"Você não precisa passar muito tempo às margens do Rio Grande para perceber que a terra dele e a minha são a mesma". Com esse comentário, referindo-se ao rio que separa o norte do México, terra do roteirista Guillermo Arriaga, do seu Texas natal, Tommy Lee Jones sintetiza a essência de seu longa-metragem de estréia como diretor, Três Enterros (The Three Burials of Melquiades Estrada, 2005).

O projeto nasceu nas caçadas de ambos pela propriedade rural de Jones. O local, que chegou a servir de cenário para algumas cenas, inspira um filme cheio de críticas diretas à segregação dos imigrantes mexicanos nos Estados Unidos. E não pára por aí. O novo cineasta - que inicia na carreira extremamente competente e autêntico - esmurra também o cinemão das mortes e explosões ao mostrar como uma vida, por mais humilde e singela que seja, pode carregar enorme profundidade. Mas não pense que o longa concentra-se nos alvos fáceis que são os "gringos" hoje em dia. Sobram algumas farpas também aos próprios mexicanos, especialmente numa seqüência que mostra um grupo de vaqueiros ao sul da fronteira assistindo à televisão.

O texto de Arriaga, dos excepcionais Amores Brutos e 21 Gramas, é mais uma vez notável. Recheado de sutilezas, narra em três atos (que acompanham os três enterros do título) e alguns flashbacks a história do simpático Melquiades Estrada (Julio Cesar Cedillo), um vaqueiro mexicano que trabalha ilegalmente num rancho estadunidense próximo à fronteira com sua terra natal. Seu melhor amigo é Pete Perkins (Jones, em atuação premiada em Cannes), que logo no início do filme descobre que Melquiades foi assassinado e tenta descobrir o autor dos disparos que o mataram. Falar mais estragaria surpresas dessa boa história, que mistura estrutura de road movie com humor negro, western e crítica social.

Vale comentar, porém, sobre a técnica e o senso artístico de Jones. Equilibrado, ele mostra que sabe comandar seu irretocável elenco - além de Cedillo, Barry Pepper e January Jones também estão ótimos - e passa o bastão com confiança aos seus colaboradores. Especialmente ao diretor de fotografia duas vezes vencedor do Oscar Chris Menges, que registra as externas - sejam elas no México ou Estados Unidos - como pinturas idênticas, deixando a crítica visual para a arquitetura de interior. Outro que se aproveita com sucesso de sua liberdade criativa é o compositor pop italiano Marco Beltrami, que deixa os blockbusters para realizar aqui um de seus melhores trabalhos autorais.

O resultado não é perfeito - há algumas pequenas redundâncias e eventos dispensáveis -, mas vale a pena ser visto. Um retrato apaixonado de uma terra que teve sua identidade rasgada.