O Corte
Nota: 8
Baseado em um romance de Donald Westlake, O Corte (Le Couperet), mais recente trabalho do diretor Costa-Gavras, coloca uma pergunta simples ao espectador: o que aconteceria se um executivo desempregado levasse a lógica do capitalismo global ao extremo e começasse a eliminar fisicamente seus concorrentes?
O filme, junta elementos de fábula, comédia social e thriller. A mistura, imbuída de humor negro, deve agradar ao público com sua abordagem de esquerda de um problema que ultrapassa fronteiras e classes sociais.
O roteiro do próprio Costa-Gavras, em colaboração com Jean-Claude Grumberg, trata de Bruno Davert, de 41 anos, quinze dos quais prestando bons serviços a uma fábrica de papel no norte da França. Dois anos depois de seu emprego ter sido terceirizado para um país onde a mão-de-obra é mais barata, Bruno, em sua busca por trabalho, resolve ser tão impiedoso quanto seus antigos patrões. Ele consegue uma lista dos outros candidatos ao cargo que cobiça. Um por um ele os persegue e elimina, como exigem as leis implacáveis da livre concorrência.
A polícia observa o fator em comum que existe nos currículos das vítimas e vai bater à porta de Bruno. Enquanto isso, a mulher dele quer que ele faça terapia de casal e seu filho chama a atenção da justiça ao ser flagrado roubando programas de computador.
Abrindo caminho, desajeitado, por uma série de assassinatos, mas conseguindo passar despercebido a cada vez, Bruno mantém o espectador do seu lado. O ator Jose Garcia, até agora visto sobretudo na televisão, é uma revelação no papel de Bruno. Ele possui uma semelhança desconcertante com Jack Lemmon, astro do thriller político Missing - O Desaparecido, também de Costa-Gavras, e sem qualquer dificuldade alterna expressões de angústia, indecisão, estresse, pavor e decisão assassina.
Com duas horas de duração, O Corte talvez seja um pouco longo demais, mas não deixa de prender a atenção do espectador e constitui mais um exemplo do cinema engajado de Costa-Gavras.
A história se passa na França e fala de desemprego nos países ricos e desenvolvidos em tempos de globalização. Bruno Davert, é mais um dos que sofrem o impacto do "trucidante" e desumano "corte de pessoal"; "você não é mais necessário"; moléstia que se espalha pelo mundo e não poupa mais ou menos capacitados, mais ou menos bem colocados. Sem perspectiva aparente de algum outro emprego, passado já um razoável período da demissão, e vendo as economias minguarem, o engenheiro Davert é acometido pela tal idéia dos crimes. A idéia surge por acaso, através um leve e despretensioso comentário do filho adolescente, toma corpo e coragem, passa a ser maquinada e desenvolvida; daí à sua execução, meia hora de filme, não mais.
Falar de desemprego em países da Europa para habitantes nativos e de formação superior, soa como uma patada na fuça de nós, terceiro-mundistas, ante o nível de vida dos pobrezinhos desesperados. Se a intenção de Costa Gavras - ao mostrar de maneira ostensiva as ricas e grandes casas, as arborizadas e plácidas ruas habitadas pelos desempregados de lá - foi a de dar força visual a um contraste social com o resto do mundo, ponto para ele. Agora, se o cenário foi utilizado apenas como pano de fundo para uma história filmada com um misto de humor e temor, situações atrapalhadas e de thriller inconsistente, pena, teria sido uma grande pisada de bola do diretor. Mas, o filme, que vai se conduzindo muito amparado no cinismo e na falta de um apuramento melhor dos sentimentos e situações dos coadjuvantes e potencialmente alvos das balas de Bruno – já que tudo gira em torno das dificuldades e tensões de seu núcleo familiar – toma alguns momentos de bons rumos ao penetrar, a partir de um certo número de mortos, nos sentimentos, problemas, verdades e mentiras destes "meros" coadjuvantes.
É obra que provoca reações diferenciadas no seu transcorrer. Mas algumas situações – tudo dentro do tempo de projeção da película - redimem algumas intenções aparentemente obscuras. Há o erro na facilitação criada pelo método do diretor quanto às conseqüências de ato tão insano como o de sair por aí matando potenciais adversários. Há o erro na criação da figura do psicanalista negro, que entra na trama somente para criar contraste e denunciar possíveis e embutidos preconceitos. Há o erro nos esquetes engraçadinhos que falam de imaginárias traições; somente para criar um clima mais leve e informal. Porém, o diretor acerta – como já disse acima - quando dá "“voz" e cara a alguns oponentes do desempregado central, quando enfatiza alguns comportamentos deteriorados e perversamente primeiro-mundistas dos filhos adolescentes de Bruno – a cena em que o moleque se diverte ante as cenas de um noticiário mundo-cão televisivo e o momento em que a filha sobe as escadas somente com roupas íntimas, ante o olhar atônito e pedófilo de um punhado de policiais, elevam a cotação do filme. Esse não é um dos grandes trabalhos do diretor, mesmo a crítica sendo política e mundial. Comparando este com seus últimos filmes, digamos que a temática política voltou a pulsar no sangue do diretor, que foi grande ativista na década de 70, o que é de grande alento para todos nós. Mas muitos diretores europeus, menos engajados, deram uma contribuição maior a desconstrução do sistema capitalista. Filmes como Segunda-Feira ao Sol (espanhol), ou A Agenda(frances), com muita simplicidade, passaram a mesma mensagem que este.
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