04 maio 2006

Bonecas Russas



Nota: 8

Bonecas Russas é a continuação do sucesso internacional de 2002 Albergue Espanhol, retomando o mesmo grupo de personagens cinco anos depois. Chegando na casa dos 30 anos, os personagens têm outros problemas, outros dilemas, outras diversões. O furor hormonal de outrora dá lugar a relações mais sérias, sinceras e com bases mais sólidas. Ou quase.

Xavier (Romain Duris, De Tanto Bater Meu Coração Parou) deixou de lado a carreira de economista e se jogou de cabeça na literatura, mas acaba escrevendo roteiros para cinema e televisão.

Porém, mal consegue pagar suas contas. Uma melhora surge quando tem a possibilidade de escrever um telefilme de alto orçamento, e baixa qualidade intelectual. Mas ele não liga, o importante é que vai receber um bom pagamento.

O rapaz, assim como praticamente todos os personagens do filme, está em busca de um amor sincero num mundo globalizado e fragmentado. O roteiro, do diretor Cédric Klapisch (o mesmo de Albergue Espanhol), monta uma espécie de quebra-cabeças internacional, com a ação correndo por Paris, Londres e São Petersburgo.

A trama ganha complexidade e carisma quando entra em cena Cécile de France, no papel de Isabelle, uma lésbica especialista em mercado financeiro, que trabalha na TV e dá abrigo a Xavier quando ele precisa de uma nova casa. Também se destaca no elenco Kevin Bishop no papel do inglês William, atrapalhado, mulherengo e apaixonado por uma bailarina russa. Para ficar com ela, que não fala outra língua, ele aprende russo e se muda para São Petersburgo, onde vive em condições precárias.

Xavier acaba reencontrando Wendy (Kelly Reilly, de Sra. Henderson Apresenta), irmã de Kevin, e por quem teve uma paixão em Barcelona. Ele se muda para Londres para trabalhar com ela no roteiro do telefilme, e o desejo entre eles acaba reaparecendo.

Porém, ele também se encanta com a modelo entediada Celia Shelburn (Lucy Gordon), para quem trabalha como ghost writer de uma autobiografia. Com quem ficar: com a delicada e sincera Wendy ou com a rica, exuberante, mas fútil, Celia? Escolher não é nada fácil.

As meninas que hoje estão perto dos 30 anos devem se lembrar da loucura que era ganhar uma matriochka (bonequinha russa), daquelas de madeira, que você vai abrindo e tirando outras de dentro, até encontrar uma bem pequenininha, quase do tamanho de uma unha.

Também perto dos 30 anos estão os personagens do primeiro filme, que já não moram juntos em Barcelona. De volta a Paris, Xavier tenta vencer como escritor e ainda é muito amigo da ex-namorada Martine (Audrey Tatou) que, por sua vez, continua insuportavelmente chata. Outra amizade dos tempos de intercâmbio também permanece: a de Isabelle, que está ainda mais sedutora e cheia de namoradas e com quem o protagonista vai voltar a dividir a casa. Eles chegaram àquela idade fatídica em que cada passo é marcado pela autocensura e pela incômoda desconfiança de ter se transformado em fracasso.

Quando tudo está perto de desmoronar, a salvação parte de um encontro com aquele que seria o último a ser procurado: William (Kevin Bishop), o irmão da inglesa Wendy, que vivia de atormentar a todos com suas piadinhas preconceituosas e estereótipos sobre estrangeiros. À caminho de São Petersburgo, é ele quem irá reconectar os antigos amigos — colocando alguns para trabalhar juntos e levando todos, meses depois, para seu casamento com uma bailarina russa.

O reencontro pega cada personagem no meio de mais uma busca. Agora não mais a de quem se quer ser, mas sim a do que se quer conquistar – no amor ou no trabalho. Para o diretor Cédric Klapisch, essa longa jornada à procura de si mesmo e da cara-metade equivale à das garotinhas que, uma após a outra, abrem suas matriochkas na ansiedade de encontrar a última, a definitiva, a que é ao mesmo tempo tão pequena e tão perfeita.

Albergue Espanhol se dizia um "filme sobre decolagem". Talvez por isso boa parte das pessoas vá preferi-lo a este segundo, que seria o equivalente ao período de um vôo que é marcado pelo que os comandantes costumam anunciar como "velocidade de cruzeiro". Nesse estágio já não existe mais a excitação que acelera a cada minuto e que culmina com a saída do chão. Ao atingir a velocidade de cruzeiro, alcança-se também o trecho da vida em que rareiam os efeitos especiais. É difícil, em meio à briga para fazer emplacar um trabalho e às dúvidas quanto à sua capacidade de encontrar o grande amor, se sentir mais feliz e interessante do que no ano vivido na Espanha, numa casa lotada de amigos bacanas e com o futuro inteiro pela frente.

O mérito de Bonecas Russas, no entanto, é provar que, ainda que a maioria de nós viva preso a uma lógica dos tempos de criança — projetando o auge da própria felicidade para um ponto no futuro que parece distante, mas não muito —, também existem aqueles que se negam a tentar abrir a bonequinha para ver se existe uma outra dentro. Simplesmente porque ali, naquele momento, ela é perfeitinha demais para que nos livremos dela.