14 março 2006

Mentiras Sinceras



Nota: 6

A vida na alta sociedade inglesa deve mesmo ser muito boa. Depois de Ponto Final - Match Point (2005), outro filme aborda crimes sem castigos em nome da preservação do status quo britânico: Mentiras Sinceras (Separate Lies, 2005).

James Manning (Tom Wilkinson, de O Exorcismo de Emily Rose) e sua esposa, Anne (Emily Watson, de Embriagado de Amor), são o tipo de casal que se comunica com meias palavras. A outra metade, a das palavras não ditas, esconde ressentimentos e eventuais segredos. Anne diariamente busca James na estação de metrô depois do trabalho. Às vezes ele dispensa a carona, precisa ficar até tarde no escritório - negociar com os franceses, diz James ao telefone, enquanto sua secretária loira ouve e espreita com o canto do olho.

Regularmente marido e mulher deixam o dia-a-dia em Londres para aproveitar o lazer no campo - criquete, coquetéis, o de sempre. Desta vez, porém, enquanto James se aborrece entre uma tacada e outra, Anne arruma companhia. Bill Bule (Rupert Everett) é herdeiro de rica família inglesa e, como bom rebelde, recém-chegado dos Estados Unidos, onde levava vida desencanada. Anne olha para Bill de maneira diferente, há nele algo oposto à sisudez do marido... Não fosse um atropelamento fatal ocorrido na vizinhança da casa de campo dos Mannings, dias depois, James jamais suspeitaria que Bill virara amante de sua esposa. O problema é que Anne está envolvida no crime.

Honrar a lei, vingar a traição e entregar a mulher? Esconder o crime, relevar o adultério e manter as aparências? São essas duas opções que recaem sobre James - um dilema que, ao contrário do neuroticamente americano Match Point, em Mentiras Sinceras acaba sendo tratado com a típica fleuma e a acidez inglesa. Quem não está habituado a esse tipo de abordagem certamente estranhará; os diálogos entre marido e mulher, espantosamente polidos e racionais, podem parecer um tanto absurdos.

Baseado no romance A Way Through the Wood, de Nigel Balchin (1908-1970), o filme marca a estréia como diretor de Julian Fellowes, conhecido ator de cinema e TV na Inglaterra. Essas duas informações podem dizer um pouco do que se vê na tela: um intenso material escrito, cheio de nuanças, que tem dificuldade em se traduzir em imagens. Conta a favor de Fellowes a dissimulação com que apresenta situações no começo do filme - se você pensa que James é um tipo manjado, aquelas elipses de tempo no escritório, aparentemente óbvias, podem muito bem te enganar. Contra o diretor, uma série de detalhes, desde idas e vindas e cenas desnecessárias, passando por um discurso vago, até a insegurança na direção de elenco.

E é impossível não comentar a performance de Everett. Bom ator de comédias nos anos 90, nos últimos anos andou sumido. Reaparece agora todo esticado, dando a entender que neste longo verão ele ficou estocando ampolas de botox para o inverno. Diretamente do museu de cera de Madame Tussaud, imprime uma inexpressividade ao personagem que não favorece o filme. Até mesmo a câmera tem vergonha de enquadrá-lo - o primeiro close de verdade, prolongado, só vem na última cena de Everett. Do mesmo jeito que Bill se torna o bode na sala de James e Anne, o ator é o ruído que os ótimos Tom Wilkinson e Emily Watson não conseguem ignorar.