06 março 2006

Johnny e June



Nota: 5

Se o parâmetro for sua discografia no país, Johnny Cash é um desconhecido no Brasil. Apenas um pequeno punhado de seus discos, incluindo aí coletâneas, ganharam edição nacional, e o principal mérito musical deste Johnny & June é desvelar alguns momentos desta desconhecida voz da música norte-americana. Se o intuito é venda de "novos" produtos pela indústria fonográfica, assim como ocorrido em Ray, no ano passado, provavelmente a venda dos discos de Cash irão aumentar.

A produção se posiciona apenas numa primeira parte da carreira de Johnny Cash, até seu casamento, em 1968, com a cantora June Carter. Mais do que uma biografia musical, Johnny & June relembra os relacionamentos de Cash (seja com as mulheres, seja com drogas ou com outros artistas).

Algumas passagens do filme são ficcionais demais. Insinua, por exemplo, que June Carter compôs sozinha "Ring of Fire"; Jerry Lee Lewis não era tão bobo quanto o mostrado aqui; e o conselho de Sam Phillips (da gravadora Sun Records, quem primeiro assinou com Cash) não foi para ele cantar "com mais alma", mas para tentar algo mais vendável do que velhas canções gospel.

Johnny & June realça algumas das históricas turnês do cantor com artistas como Jerry Lee Lewis, Roy Orbison Carl Perkins e Elvis Presley. Cash foi figura fundamental nos primeiros anos do rock and roll, e aqui são ilustrados por canções como "Ring of Fire" e "Walk the Line", além de divertidos duetos com Carter ("Jackson"). Não à toa, o filme chega ao clímax na cena da gravação de "At Folsom Prison", o mais representativo disco de Cash. Numa grande sala, cercado por detentos, ele explode com "Folsom Prison Blues", e ali entendemos o culto ao músico nos Estados Unidos.

Em uma banca de apostas cinematográficas, poucos lances são mais arriscados do que a cinebiografia de um músico. São raras as vezes que a indústria hollywoodiana consegue combinar a sua máquina de moer entretenimento com o respeito à vida e obra dos biografados. É só pensar e constatar: podemos contar em poucos dedos os resultados realmente bons. No grosso, o que vem a público são exageros bobos em detalhes polêmicos, atuações canhestras e deturpações gratuitas dos personagens.

Nesse sentido, Johnny & June (Walk The Line, 2005) é um pouco superior que seus concorrentes, mas não foge tanto assim a regra, e não consegue tirar do telespectador o sentimento constante de "já vi esse filme". O papel central é de Johnny Cash (Joaquin Phoenix), músico country que figura entre os nomes mais emblemáticos dos últimos 50 anos e que influencia o rock desde as suas raízes.

O filme não se propõe a nenhuma inovação dentro do seu gênero. Vai da infância de Cash no Arkansas, retratando a sua relação paternal com o irmão mais velho (um prólogo, aliás, que remete ao nosso 2 Filhos de Francisco, veja só), passa pelos seus primeiros anos de carreira, depois de cair nas graças de Sam Phillips e sua Sun Records, e seu encontro com sua eterna musa June Carter (Reese Whiterspoon), e culmina no show dentro da prisão de Folsom, em 1968, gravação que rendeu um de seus álbuns mais icônicos. É a biografia per se.

O que eleva o filme do seu provável status banal, com a típica história de garoto pobre que consegue a redenção (como em Ray) é a rara combinação de uma equipe em sintonia. O diretor James Mangold voltou a acertar a mão como em Garota, Iterrompida (Girl, Iterrupted, 1999), a fotografia é bela e o figurino, impecável. Mas quem bota fogo na coisa toda é mesmo a dupla de atores principais.

Joaquin Phoenix mergulhou no papel de Cash de forma assustadora, encarnando o cantor em todas as suas nuances. Na postura e na voz grave, no movimento irônico de colocar o violão nas costas, no olhar penetrante e na fúria de um homem que era conhecido pela cabeça esquentada. E Reese Whiterspoon, queridinha do melado cinema americano, ganhou muito sal com a personagem June Carter, talvez o real papel de sua vida – é difícil pensar em alguém melhor para absorver a caipirice fofa da cantora de forma não caricata.

Além dos dramas pessoais, a música também é bem tratada em Johnny & June. Phoenix e Whiterspoon escancaram suas aulas de canto nas impecáveis performances ao vivo dentro do filme. A outra surpresa, no elenco coadjuvante, foi a escolha de músicos para interpretar os companheiros do casal Cash nas turnês. Elvis, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, toda a mitologia é recriada (como coadjuvantes).

O grande porém fica por conta das modificações criadas pela distribuidora nacional. O estupendo cartaz original foi trocado por uma foto do casal que, aliada ao “inventivo” título novo, rebaixa o filme ao posto de uma comédia romântica qualquer, ante um desavisado. Tudo bem que Johnny & June retrata uma bela história de amor, mas não precisavam exagerar.