23 fevereiro 2006

Roma, Um Nome de Mulher



Nota: 9

Se um extraterrestre pousasse de repente aqui na América Latina e assistisse a uma dúzia de bons e populares filmes produzidos na Argentina e no Brasil nas últimas décadas, teria a seguinte sensação: os brasileiros gostam de falar do sertão; os argentinos, das cidades. O nosso cinema é mais sexual e mitológico; o dos nossos vizinhos, mais sentimental e psicanalítico. E, enquanto nós nos alimentamos do "lúmpen", eles são totalmente obcecados com a classe média.

Nos filmes do veterano Adolfo Aristarain, 62, a mistura desses ingredientes que compõem a essência da cinematografia argentina encontra sua mais perfeita síntese -basta reparar em como foram construídos Lugares Comuns ou Martín. Conseqüentemente, o foco do diretor aponta quase que para o sentido oposto daquilo que buscam seus pares brasileiros.

Afinal, é difícil imaginar que um diretor dos nossos expusesse tanto a própria intimidade como faz Aristarain em Roma - Um Nome de Mulher, dirigido e escrito por ele.

Trata-se de uma espécie de autobiografia romântica que traça, por meio da história do exílio de um homem, a nostalgia por uma Argentina que ainda não havia conhecido o pesadelo militar.

A trama tem início em Madri nos dias de hoje, quando um velho escritor argentino é incumbido de fazer, por encomenda, um livro sobre si próprio. Como se trata de um idoso beberrão, seu editor envia um jovem para ajudá-lo no trabalho e, ao mesmo tempo, vigiá-lo para que cumpra os prazos. Tratado inicialmente com rispidez, o rapaz acaba conquistando o velho escritor por sua aptidão literária e pelo interesse que demonstra ter pela infância e adolescência do homem, vividos na Buenos Aires dos anos 50 e 60.

A relação de mestre e aluno que se forma entre os dois gera uma novela espetacular sobre a Argentina daquela época. "A idéia de transmitir o conhecimento é algo que me interessa. Gosto de mostrar o quanto uma geração mais velha, que está de saída, pode transmitir aos mais novos e o quanto sofre na tentativa de se fazer compreender", disse Aristarain à Folha.

Só que o diretor não pode reclamar por não se fazer ouvir pelos jovens. Aristarain começou a fazer filmes nos anos 60, bem antes do hype do "novo cinema argentino" - de meados dos anos 90 para cá. Ainda assim, é fácil ver sua influência em produções como O Filho da Noiva (Juan José Campanella, 2001) e Esperando o Messias (Daniel Burman, 2000).

É curioso que Roma, a obra mais completa de Aristarain, esteja saindo das mãos do cineasta agora, ao mesmo tempo em que os talentosos cineastas jovens, cuja produção é conhecida pelo simpático apelido de "buena onda", dão um passo à frente e põem no mercado e nos festivais filmes mais maduros. "É um momento muito bom, apesar da crise que vive o país."

Entretanto, Aristarain vê com preocupação o atraso nas trocas culturais entre Brasil e Argentina e a demora na estréia de filmes brasileiros lá e vice-versa. "Aqui, em outros tempos, se exibiam filmes europeus, brasileiros, poloneses e de vários países, mas a indústria americana se apoderou do mercado", diz o diretor, que defende um maior intercâmbio. "Tive filmes que passaram por festivais europeus e nunca foram exibidos no Brasil. Não faz sentido."

A Roma do título enigmático do filme não é a capital italiana, muito menos a sede do catolicismo ou a casa do papa. Trata-se, isso sim, do nome da mãe do protagonista (e da mãe do próprio diretor), dado pelo pai anarquista (de ambos). "Quando meu avô assim chamou minha mãe, ele se referia à Roma livre que queria ver no futuro, com o anarquismo, era um idealista."

Boa parte da ação se passa num período turbulento do passado argentino. Ainda assim, a história é observada com a distância e de maneira difusa. "É impossível construir personagens sem a época em que viveram. Não se pode fugir da história, mas também não se pode parar a narrativa para explicar o contexto. As coisas acontecem juntas e há diferentes níveis de intensidade na relação do homem com os fatos. A queda de Perón, os levantes, a ditadura, tudo isso está lá. Mas também estão os momentos mais ou menos neutros, em que a política influencia menos e parece não existir. Afinal, assim é a vida."

Um belo filme, sensível, comovente, que consegue tratar os homens e suas desvenduras, de uma maneira formidável e humana. Em poucos filmes conseguimos nos identificar tanto com os personagens e suas relações: o amor completo da mãe pelo filho, a procura do filho por um amor que nunca vai encontrar, pois tem como modelo o amor paterno, as suas incessantes buscas, suas alegrias e tristezas, amores e perdas, tudo ali, como um grande mosaico da vida do homem, que acerta e erra, mas que no final fica com a balança equilibrada, com saldo nulo, pois curtiu as felicidades e incorporou as tristezas em sua personalidade. O cinema brasileiro deveria parar de ser tão alienado, e criticar mais a miséria que acomete o povo brasileiro. Ao invés de meramente constatar que existe a pobreza, de uma maneira bela, poética, deveria colocar o microfone na mão do miserável e deixa-lo gritar seus problemas, como os argentinos fazem com a classe média