20 fevereiro 2006

Orgulho e Preconceito



Nota: 7

Uma das mais conhecidas comédias românticas dos últimos anos, O Diário de Bridget Jones (2001) presta uma homenagem dupla a uma obra muito maior: o romance Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice), de Jane Austen. Primeiro quando a escritora Helen Fielding decide batizar de Mark Darcy o seu "homem ideal", em referência ao Sr. Darcy, personagem do clássico livro e que recentemente foi eleito pelas mulheres britânicas o par perfeito para um encontro, deixando para trás James Bond e o Super-Homem. E depois quando a diretora Sharon Maguire escolhe Colin Firth para interpretar o personagem, brincando com o fato de que Firth viu sua carreira deslanchar quando deu vida ao Sr. Darcy na minissérie televisiva Orgulho e Preconceito, em 1995.

Se ainda não entendeu a importância da obra para os ingleses, basta dizer que os súditos da Rainha elegeram Orgulho e Preconceito o segundo livro mais importante de sua literatura, atrás apenas de O Senhor dos Anéis.

Se ainda não entendeu a importância da obra para as comédias românticas, basta dizer que no fim do século 18, Austen criou a história de uma jovem inteligente, sincera e teimosa que conhece um homem aparentemente inacessível, vê o relacionamento entre os dois passar por problemas que separariam qualquer casal para sempre e termina tudo com declarações de amor eterno.

Esta adaptação que surge agora pelas mãos de Joe Wright, estreante no cinema, nada tem a ver com os filmes de meg ryans e hugh grants. Os cenários bucólicos, as incessantes reverências e a linguagem mais pomposa retratam a época em que o livro foi escrito. Dias em que o primeiro trabalho de uma mulher era arranjar um marido rico e assim não precisar trabalhar mais. Um período em que casamentos eram arranjados com bebês ainda nos seus berços.

Sem homem algum em casa além do seu marido, a Sra. Bennet (Brenda Blethyn) está desesperada para ver suas cinco filhas casadas e seguras. As meninas, por sua vez, sabem da importância de conseguir um marido que lhes garanta um lar, pois quando seu já velho pai (Donald Sutherland) falecer, as mulheres não terão direito aos seus bens, que serão todos herdados por um primo distante, Sr. Collins (Tom Hollander).

Por isso, a chegada do solteiro Sr. Bingley (Simon Woods) à região causa alvoroço na família. No baile de apresentação, ele não demora para se encantar pela mais velha das Bennets, Jane (Rosamund Pike). Enquanto as três mais novas pulam e dançam de um lado para o outro, Elizabeth (Keira Kightley) tenta - em vão - puxar conversa com o amigo do Sr. Bigley, o sério Sr. Darcy (Matthew Macfadyen).

A forma como o aristocrático Sr. Darcy rejeita Elizabeth e toda aquela experiência no meio do "povo" é uma das características da obra de Austen, que mostra a barreira de castas, geralmente caricaturizando membros das classes altas e dando aos menos abastados a missão de fazê-los descer dos seus pedestais, humanizá-los.

Não imagine, porém, um parado drama de época. Orgulho e Preconceito tem elementos cômicos e ótimo ritmo de narração, com os personagens sendo construídos ao longo da história, o que fazem os minutos passarem muito rápido. Em uma das mais belas passagens, o baile no palacete dos Bingley, a câmera sem cortes passa por vários aposentos, acompanhando diversos personagens, interessante técnica como mostrado no recente Soy Cuba. Ótima também é a cena de dança entre Elizabeth e Darcy, quando as trocas de olhares e concentração dos dois "esvazia" o salão.

Se as mulheres suspirarão com Sr. Darcy, os maridos, namorados e acompanhantes também não terão muito do que reclamar. A ex-bond girl Rosamund Pike está muito bem fotografada e Keira Knightley enfim prova que não é apenas a "it girl" (ou garota da vez), como dizem os norte-americanos. Muito mais charmosa do que realmente bonita, a inglesa conseguiu com este filme sua primeira indicação ao Oscar. Há um certo exagero aqui, mas como todos sabemos que a Academia não premia apenas a atuação, mas também a popularidade, Knightley não deixa de ter os seus méritos.

A versão exibida no Brasil, com 127 minutos, segue o puritanismo do livro e não contém uma cena que nossas mulheres modernas (mas ainda bastante românticas) adorariam ver. Para não correr o risco de perder audiência no importante (leia "rico") mercado norte-americano, que não aceitaria um final tão "europeu", foi exibido nos cinemas do Canadá e Estados Unidos uma versão 8 minutos mais longa e com um final, digamos, mais açucarado, algo que os fãs de Austen condenam.

Não é à toa que grande parte da publicidade em torno da nova versão filmada de Orgulho e Preconceito discorra sobre os belos cenários e a fotografia, já que essas são de longe as melhores coisas em um filme que consegue transformar a ágil sátira de Jane Austen em um romance gótico pesado.

O diretor Joe Wright e a roteirista Deborah Moggach parecem ter confundido Austen com as irmãs Bronte, com suas tramas recheadas de amantes desafortunados em um cenário de paisagens selvagens e tempestades rudes. Ao tirar da história a intrincada moldura de observação social do fim do século 18, o romance vira um melodrama romântico, com pouca crítica social.

Várias das cenas mais conhecidas do livro foram incluídas nesta versão filmada, mas os romances entre Jane e Bingley e entre Elizabeth e Darcy não têm ritmo nem razão, já que o tema da sátira de Austen - o sistema de classes inglês, principalmente como as mulheres eram tratadas - é reduzido ao mínimo.

A imperiosa Lady Catherine de Bourg, interpretada por Judy Dench, recebe mais espaço na tela do que o necessário, enquanto pouco é dado a Donald Sutherland, que faz o papel do sr. Bennet, e que consegue apenas mostrar-se dócil. Sem os insights sutis e espertos de Austen, deve haver uma razão para Darcy se apaixonar por Elizabeth, só que neste filme não se pode imaginar qual seja ela.