09 julho 2005

A Vida Secreta dos Dentistas



Nota: 8

O que pensam os dentistas enquanto estão mergulhados entre dentes e brocas aflitivas? Os dentistas são seres essencialmente perversos? Estas e outras perguntas podem ser relacionadas quando nos deparamos com títulos como A Vida Secreta dos Dentistas. E, antes que alguém formule críticas a esses questionamentos, é bom deixar claro que, desde o começo, o filme de Alan Rudolph confirma: os dentistas também são seres humanos e levam uma vida convencional.

Esse é o caso de David Hurst (Campbell Scott), o personagem central deste filme, um dentista casado com uma colega de trabalho, com quem teve três lindas filhas. A situação deles também é extremamente cômoda, já que vivem numa ampla casa, possuem um consultório próprio e parecem viver felizes numa daquelas cidades americanas em que não parece haver qualquer tipo de problema.

O que incomoda David, no entanto, é a deterioração de sua relação com a esposa, quando se aproxima uma crise matrimonial. Mesmo assim, com muita dissimulação, acaba apegando-se à idéia de que, como lutou tanto para chegar à posição que possui (oito anos na universidade, empréstimos bancários), o melhor é não fazer alarde e manter tudo como está. Ou seja, comodismo e inércia são as bases deste suposto sólido casamento.

O espectador passa a conhecer sua história por meio de seus pensamentos (em off) que pontuam suas opiniões sobre a profissão e a semelhança da arcada dentária com casamentos. Tudo beirando o humor melodramático. Mesmo os flashbacks de sua vida estudantil e sua juventude ao lado de sua futura mulher mostram um sujeito sereno, que nada faz além do essencial.

Tudo isso, claro, até ver sua mulher (em uma cena muito ambígua) entre beijos e abraços com outro homem. Este é o estopim para a lenta transformação do personagem, que passa a ter alucinações sobre traições de sua esposa. Para apimentar ainda mais seus delírios, coloca-se na história uma espécie de alter ego do dentista (um tal de Slater, interpretado pelo ator Denis Leary), um paciente bem macho, mal-educado e intrometido, que passa a fazer parte das fantasias de David. Slater assume o papel de uma espécie de conselheiro matrimonial imaginário de David. Seus palpites não são nada ortodoxos. É o tal do "diabinho" sobre o ombro do protagonista, numa representação pictórica conhecida.


Será este novo personagem que reprovará as fraquezas de David, dando conselhos bastante ousados (como "mate sua mulher") e aplaudindo as grosserias que ele diz a suas filhas e mulher. Uma esquizofrenia light muito usada em outros filmes, incluindo-se aí seriados de TV.

Poderia ousar mais, mas o diretor entra na vala comum na maneira em que retrata o mar de lama de uma sociedade neurótica e pútrida. Peca por seus exageros indecifráveis, como uma incontinente regurgitação coletiva, que tem efeito muito mais estilístico do que ideológico. Seria a solução para expiar a culpa através da boca? Rudolph mostra a doença, isso é fato. Mas trata de seus sintomas de modo anestésico, dando a suas crias com mau-hálito apenas um pouquinho de flúor.