29 junho 2005

Nicotina



Nota: 8,5

Em Nicotina, uma sucessão de acasos e mortes se unem pela espiral de fumaça dos cigarros. Fumar faz mal à saúde, adverte o Ministério da Saúde, mas pode ser bom para o cinema.

Na entrevista que deu ao Estado, durante o Festival de Cannes, Jeanne Moreau descreveu as baforadas de Marlene Dietrich nos filmes de Joseph Von Sternberg como a suprema afirmação do erotismo no cinema. Wayne Wang e Paul Auster obtiveram bom resultado com Cortina de Fumaça e Sem Fôlego e Michael Mann obteve reconhecimento como grande diretor a partir de sua denúncia da indústria tabagista no poderoso O Informante, no qual o alvo do ataque do cineasta é menos a indústria do fumo que a mídia e a Justiça por ela cooptadas.

O diretor Hugo Rodriguez, de Nicotina, viu todos estes filmes e também Pulp Fiction, de Quentin Tarantino. Nicotina é obra de um fumante tarantinesco que vê no acaso uma ponte para a violência. São três tramas interligadas que correm num tempo muito preciso, das 21h17 às 22h50, num total de 83 minutos. No centro de todas elas está o cigarro, que o diretor Rodriguez e o roteirista Martin Salinas definem como metáfora de qualquer coisa, da fraqueza e carência ao desejo consciente de morte.

Tudo começa com a confusão provocada por Lolo. Interpretado por Diego Luna, um dos garotos de E Sua Mãe também, de Alfonso Cuarón, ele é um técnico em computadores que instalou um sistema para monitorar a vida da vizinha. Neste momento, Lolo foi contratado para uma atividade criminosa - deve entrar nas contas secretas de um banco. Um par de comparsas vem buscar o disquete no qual ele registrou os códigos de acesso para repassá-lo a dois mafiosos russos, que vão pagar em jóias, mais exatamente, diamantes. Mas o voyeurismo de Lolo é descoberto pela vizinha, que invade seu apartamento e arma uma cena. Nervoso, o rapaz troca o disquete e desencadeia uma série de perseguições e mortes que correm velozmente na tela, apoiadas em situações e diálogos repletos de humor negro.

A este núcleo inicial, o de Lolo, agregam-se outros dois - o do farmacêutico e sua mulher e o do casal que possui a barbearia na qual vai parar o russo fugitivo. Antes de morrer, ele tem tempo de dizer que escondeu as jóias na pança e é o que basta para a mulher do barbeiro, como uma ensandecida Lady Macbeth, abrir sua barriga e revirar nas tripas em busca do ouro. São cenas que poderiam ser chocantes, não fosse o humor com que o diretor as reveste.

Sob a aparência de uma simples diversão, Rodriguez, em Nicotina, cria polêmica por duas ou três coisas que diz sobre a natureza do vício - e de como aqueles que não conseguem deixar de fumar ficam encurralados por seus desejos quase sempre irracionais.