22 junho 2005

Batman Begins



Nota: 6

A história deste novo Batman começou com uma tragédia. O cineasta Christopher Nolan estava preparando uma cinebiografia de Howard Hughes, que seria protagonizada por Jim Carrey, quando ficou sabendo que Martin Scorsese estava começando as filmagens de seu O Aviador (2004). "Acho que não escrevi rápido o suficiente", disse o diretor de Amnésia (2000) e Insônia (2002) à revista Empire. "Então eu decidi fazer um filme sobre um tipo diferente de milionário excêntrico", brinca.

A escolha de quem já havia demonstrado "mão boa" em filmes menores, porém de grande profundidade psicológica, não poderia ser mais acertada. Nolan, que confessa nunca ter sido leitor voraz de histórias em quadrinhos, trabalhou ao lado de David S. Goyer (roteirista dos Blade e que atualmente escreve o longa The Flash), fã desde pequeno do Cavaleiro das Trevas. O que os dois sempre buscaram foi a resposta mais próxima da realidade possível para o caminho trilhado por Bruce Wayne, desde que ficou órfão até o momento em que colocou a capa, a máscara e o cinto de utilidades.

No início do filme, vemos um jovem Bruce brincando no jardim ao lado de Rachel Dawes. Quando o menino sai correndo e se esconde da amiga, acaba caindo em uma caverna infestada de morcegos. Os animais serão não apenas a causa de seus maiores pesadelos, mas também a inspiração para o personagem que vai percorrer as noites de Gotham prendendo bandidos e outros malucos.

Quem leu Batman: Ano um, de Frank Miller, vai perceber semelhanças na descrição acima e em algumas cenas do longa. Porém, a clássica minissérie que conta os primeiros dias do Batman não foi a única fonte. O que os dois roteiristas queriam mesmo era mostrar o treinamento físico e principalmente psicológico que ajudaram Wayne a criar o Homem-Morcego.

Para deter os bandidos, Bruce Wayne resolve entender a mente de seus inimigos e abdica de todos os seus bens e poderes financeiros e passa a viver como um criminoso, roubando, passando fome, apanhando em prisões. Ao ser jogado em uma solitária tão úmida e sombria quanto a caverna que depois se tornaria seu lar, Wayne conhece Henri Ducard (Liam Neeson). Ele promete ajudá-lo em sua busca e, ao fim do treinamento, abre o jogo sobre a sociedade chamada Liga das Sombras e seu líder, Ra's al Ghul (Ken Watanabe).

Ao retornar à Gotham City, Wayne (Christian Bale) vê uma cidade já completamente dominada pelo crime organizado. Os policiais, os juízes e os políticos são todos corruptos e estão acabando com a cidade que seus antepassados ajudaram a construir. Até mesmo a Wayne Enterprises, antes voltada ao bem dos cidadãos, está agora mais preocupada apenas com os próprios lucros. Os únicos aliados de Batman para recuperar a cidade são o mordomo Alfred Pennyworth (Michael Caine), o Tenente Gordon (Gary Oldman), Lucius Fox (Morgan Freeman), seu braço direito dentro da Wayne Enterprises e a crescida Rachel Dawes (Katie Holmes), agora promotora pública assistente.

As pancadarias, perseguições em autovias, pancadarias, salvamentos de prédios em chamas, pancadarias e vôos que se seguem também são diferentes do que se esperaria de um caríssimo filme de verão norte-americano. As cenas são fracas e muito forçados. Boa parte da verba, algo em torno de 135 milhões de dólares, foi investida em equipamentos e cenários de verdade. Muito pouco do que se vê na tela são pixels criados em parrudos computadores. O maior exemplo disso é o novo Batmóvel. O carro/tanque foi a primeira coisa do filme a ser revelada ao público porque foi também a primeira a ser construída. Foi o seu sucesso junto à cúpula da Warner Bros que garantiu ao time criativo (Nolan, Goyer e o desenhista de produção Nathan Crowley) sinal verde para desenvolver o projeto sem ressalvas. Ao todo, foram produzidos cinco modelos, que fazem de verdade tudo o que se vê nas telas, como saltar e fazer curvas em alta velocidade.

Quem tem o Batman como herói preferido é porque sabe que o Cavaleiro das Trevas não nasceu em um planeta distante, foi picado por aranhas radioativas, ganhou um anel poderoso, ou tem genes mutantes. O Morcegão é o melhor porque é "apenas" um ser humano, como você e eu. A diferença é que ele é muito mais obstinado e, bom, tem mais grana na conta bancária. Beeem mais!

Esta humanidade é mostrada no longa quando Batman volta para a Mansão Wayne e é acordado por Alfred, que o adverte contra os inúmeros hematomas que ele tem em seu corpo. Logo em seguida, o mordomo-faz-tudo - inclusive servir de alívio cômico - sugere ao patrão que ele se arrume para uma balada. Bruce Wayne, o playboy que sai para jantar e se divertir e compra hotéis de sobremesa é um personagem tão interessante quanto aquele que se fantasia e sai à noite. A escolha de Christian Bale (Psicopata Americano) para protagonizar a história foi corretíssima, pois ele demonstra na voz a diferença entre os três personagens que interpreta: Batman, o playboy e o verdadeiro Bruce Wayne.

Mas assim como Bruce Wayne, Christopher Nolan é humano e erra (ou cede aos desejos do mercado). Há um número exagerado de vôos do Batman, provavelmente criados para vender bonequinhos que planam por aí. Há também alguns vícios hollywoodianos, como a repetição incessante da frase "você precisa cair pra aprender a se levantar" e perseguições nonsense pelas ruas de Gotham. Talvez isso, e a criação de uma personagem - Rachel Dawes - , que foi claramente colocada no longa para ser o interesse romântico de Bruce Wayne/Batman, estrague esta volta triunfal do Batman. O filme é mais dark, mais sombrio, mais real (Gotham lembra muito São Paulo), mas com muita ação banal. Sem dúvida, o título - que pode ser traduzido livremente como "Batman, o início" - reflete o começo de uma lucrativa e, principalmente, promissora franquia. Como início foi bom, melhor que os antecessores, mas creio que deveriam pensar mais na questão psicológica do personagem (o que permeia a primeira parte do filme) e menos na questão mercadológica (que domina o restante final). O filme não ´ruim, mas poderia ter sido muito melhor. Vamos esperar o próximo.