06 julho 2005

O Lobo



Nota: 7,5

Biografias cinematográficas quase sempre tendem a ser parciais. Ainda por cima quando contadas pelo ponto de vista do biografado. O Lobo (El Lobo, 2004) é mais um exemplo nas diversas produções que preferem romancear a se ater aos fatos protagonizados por todos os envolvidos. Até porque já aprendemos que em história não existe verdade absoluta. Só por meio dos depoimentos de todos é que se poderia chegar a alguma conclusão. Isso não quer dizer que o filme seja ruim, mas como testemunho histórico fica aquém da realidade. Sua maior qualidade é presentear o público com diversão carregada no suspense e drama psicológico.

A narrativa é inspirada na vida de Mikel Lejarza, o agente secreto espanhol, que na década de 70, infiltrou-se no movimento separatista ETA. Seu codinome era o Lobo. Ele foi responsável pela queda de um quarto dos ativistas terroristas da organização, representando 150 colaboradores – incluindo alguns membros das forças especiais e algumas figuras do grupo. A operação Lobo é a mais bem sucedida já feita pela polícia espanhola contra o ETA. Como conseqüência disso, a "organização terrorista" condenou Lejarza à morte cobrindo todo o país basco com cartazes de busca pelo traidor. E é dessa maneira que vemos o grupo separatista no filme, como terroristas insensíveis, que largam os companheiros na mão, os deduram e os matam. Já na polícia, encontramos alguns policiais bonzinhos, democráticos, que buscam um mundo melhor. A mesma maneira que mostram o Lobo no filme.

Nos anos 80, o jornalista Melchor Miralles, produtor executivo do filme, encontrou Lobo e o convenceu a contar a sua história. Foi baseado nesse depoimento que Antonio Onetti escreveu o roteiro. Como Onetti acaba retratando os fatos só pela ótica de Mikel Lejarza, ficamos com a impressão que Lejarza é uma vítima do sistema. O diretor não defende a ditadura imposta por Franco, mas mostra que existem "forças democráticas" dentro do governo e que as coisas podem melhorar. E a saída não é pelo "terrorismo", óbvio. Meio parecido com a mensagem anti-revolucionário e contestadora do filme Bom Dia, Noite.

Ele não concorda com a ditadura de Franco, mas ao mesmo tempo não partilha das idéias do ETA, em que a violência é a única forma de se construir uma nação basca. Ao ser pego pela polícia numa das ações do grupo separatista, torna-se um informante para a polícia secreta. Nesse momento o espectador tem a clara impressão que Lejarza é um peão nas mãos de ambos os lados do conflito. Ele precisa tomar cuidado para não cair nas ciladas de interesses dos chefes das duas organizações. Fica difícil engolir que um simples trabalhador possa arquitetar tantas manobras de dissimulação.

O diretor Miguel Courtois constrói o típico herói romântico, consciente de que fazer a coisa certa está muito acima do seu bem estar. Lejarza perde a sua família, seu trabalho e seus amigos. Em suma, perde a sua própria vida. Acompanhando esse raciocínio, o diretor ainda comete uma gafe ao colocar a canção "Highwaystar", clássico da banda de hard rock Deep Purple, no momento em que Lejarza descobre que não pode mais confiar em ninguém. A música ainda volta na conclusão da mesma cena, no momento da perseguição. Destoa das imagens e cria uma alusão ao cinema espetáculo. Esses jogos cênicos despertam curiosidades, mas corrompem a idéia embrionária do projeto e a veracidade acaba sendo contaminada.

O filme concorreu ao Goya 2005, uma espécie de Oscar espanhol, para melhor ator, atriz coadjuvante, produção, edição e efeitos especiais. Saiu vencedor nas duas últimas categorias, confirmando que sua proposta de entretenimento foi alcançada. Espectadores famintos por informação acurada, porém, vão se sentir desamparados. Assim como sairão desapontados também pessoas mais críticas, como eu, que vêem uma esperança no mundo, com grupos que questionam o estabelecido. O ETA tem uma grande história, e filmes como esse vem para denegrir a imagem do grupo. Mostrando-os como amadores e despreparadores.