15 junho 2005

A Janela da Frente



Nota: 5

Em O último beijo (L'ultimo bacio, de Gabriele Muccino, 2001), a bela atriz Giovanna Mezzogiorno sofria com a indecisão conjugal de seu noivo, que precisou trai-la para descobrir o quanto a amava. A posição se inverte em A janela da frente (La finestra di fronte, 2003), dirigido pelo turco Ferzan Ozpetek.

Agora, ela interpreta Giovanna, esposa exemplar que anda descontente com a vida profissional e com a pessoal que há nove anos leva ao lado de Filippo (Filippo Nigro). Certo dia o casal encontra um idoso perdido, sem identidade ou memória, que passa a segui-los pelas ruas de Roma. Giovanna não se incomoda, mas o marido traz para casa o sujeito (vivido por Massimo Girotti).

Aos poucos a mulher se afeiçoa por ele - ainda mais quando começa a conhecer o seu nebuloso passado de paixões e sacrifícios. Esse contato com tanta carga emocional a impulsiona: Giovanna decide se aproximar do bonitão do apartamento vizinho, Lorenzo (Raoul Bova), que até então ela só espiava pela tal janela da frente. Lorenzo e Giovanna se aproximarão neste mergulho na história do velho desconhecido.

Assim, amor nos tempos de hoje se intercala com o amor no passado. O que era autoconhecimento intimista no filme de Muccino ganha aqui a ambição de um resgate histórico. Reconstituição de época e debate de temas tabus nos anos 30 e 40, como o homossexualismo, chegam ao primeiro plano na investigação que Giovanna faz aos poucos. A amnésia do estranho trata de uma expiação italiana em relação ao Fascismo que, nos dias atuais do direitista Berlusconi, é imperativo retomar, como se todo cidadão italiano precisasse cavucar a própria memória esquecida para atualizá-la.

Ótimo começo. Mas como se trata, antes de tudo, de um emotivo melodrama, prepare-se para ver essa variação de assuntos impregnada toda de sentimentalismo.

E sentimentalismo em produções italianas, vale dizer, beira o cafona. Os olhos oceânicos de Giovanna não escapam a um único close-up. A redução dos personagens a estereótipos vai desde o marido grosseiro à mesa até a caracterização do amante como um Clark Kent irretocável, atencioso e carinhoso. Dentro e fora da tela, tudo conspira em favor da comoção: espécie de voz da experiência para o elenco, Massimo Girotti faleceu em Roma aos 84 anos no dia 5 de janeiro de 2003, antes da estréia do filme, que é dedicado a ele.

Quem conseguir atravessar essa nuvem de pranto, contudo, pode enxergar em A janela da frente interpretações distintas. Curioso, por exemplo, como à luz dos plebiscitos da Constituição Européia o filme adquire uma conotação inesperada.

No começo do longa aprendemos, ainda que não seja dito, que Giovanna se ressente de viver num prédio cheio de imigrantes. A câmera de Ozpetek, ele mesmo um estrangeiro, perde bom tempo nos não-romanos amontoados em apartamentos pequenos demais. Em seguida, passeia pelas ruas da capital junto com os devaneios do desmemoriado como um tour pela nostalgia italiana. Giovanna se ressente também de trabalhar de dia e o marido de noite em empregos pouco recompensadores. Identidade e sustento, ora, são os tópicos mais pertinentes da integração continental hoje em voga. O desfecho melancólico do filme pode ser um pouco frustrante no lado amoroso, da identidade (e não deixa de ser melancólico política e socialmente; seria bem conservador caso se consumasse por completo), mas funciona bem para mostrar que os europeus se contentariam, antes de qualquer coisa, com uma certa dignidade profissional, com o sustento.

O longa fez sucesso na Itália, onde ganhou cinco prêmios David Di Donatello (o Oscar italiano). Embora o apetite do público italiano por pieguice nunca deva ser subestimado, Janela aparece como uma difícil aposta.