29 junho 2005

Corações e Mentes



Nota: 10

Para muitas pessoas Riachuelo sempre foi uma loja de roupas, não uma das batalhas mais desiguais da Guerra do Paraguai. Por outro lado, muitos de nós sabemos detalhes do estrago que o exército dos Estados Unidos fez em um pequeno lodaçal no Sudoeste da Ásia entre 1964 e 1975. A Guerra do Vietnã - explorada a esmo no cinema - já está impregnada no nosso imaginário. O que um documentário sobre o tema tem hoje a oferecer?

No caso de Corações e mentes (Hearts and Minds, 1974), Oscar da categoria em 1975 e um dos divisores de água do gênero em Hollywood, tem muito. Não apenas pelo fato do intervencionismo estadunidense continuar igual três décadas depois, mas pelo que diz, nas entrelinhas, a respeito do racismo, da natureza combativa e da prepotência inerentes ao imperialismo do irmão do Norte.

O diretor do filme, Peter Davis, estava para o governo Nixon (1969-1974) como Michael Moore está para a Era Bush. A primeira diferença é que Davis sabia o que fazia: narrativa panfletária, sim, mas sem discursos em off redundantes ou satíricos. Davis confiava no poder das imagens, Moore confia no poder de si mesmo. A segunda diferença é que, depois de reeleito, Richard Nixon renunciou. Bush ainda não.

Para fazer valer sua posição pacifista diante dos estertores da guerra, que já durava mais de dez anos, Davis primeiro vai à origem de tudo: a Guerra Fria. Nos anos 50, os EUA financiavam a tentativa da França de manter o domínio colonial sobre a então Indochina. A intenção norte-americana era evitar que os emancipacionistas, afinados com o Comunismo, declarassem independência. O país também tinha uma cultura agrícola respeitável, principalmente no plantio de arroz. Qualquer coincidência com as justificativas de hoje - guerra pelo petróleo e contra o Islã - não são coincidência.

A coisa começou a apertar quando os franceses foram derrotados e os Estados Unidos tomaram as dores da expulsão. A cada ano, no Sul, as tropas de Tio Sam aumentavam em número à medida que o Vietcongue do Vietnã do Norte, comandado por Ho Chi Minh, resistia ao poderia bélico. E é quando o massacre ficou evidente, final dos 60 e início dos 70, que Davis colheu a maioria das imagens do filme.

Não dá para saber muito bem o que é material de arquivo e o que foi filmado por Davis, mas impressiona como a câmera parece estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Está no helicóptero que bombardeia pântanos. Acompanha a tortura de um vietnamita na rua. Segue o menino que pede esmolas no ocidentalizado Vietnã do Sul. E está com soldados na cama das prostitutas da capital Saigon.

Se a clássica foto da menina nua, queimada de napalm, lhe causa desconforto, passe longe de Corações e Mentes. Crianças literalmente descascando são aqui um forte argumento visual contra o genocídio. Perto do fim, mães desesperadas ameaçam se jogar nas covas em que seus filhos estão sendo enterrados. Logo em seguida, um general da ofensiva contradiz a cena dizendo que os vietnamitas não têm o mesmo apego à vida que os ocidentais, que isso é uma coisa presente na "filosofia oriental".

Davis, que não é bobo, traduz quando precisa falas em francês e vietnamita para o inglês, trocando rapidamente as legendas por dublagens. Fica muito mais dramático ouvir o relato da filha morta em um bombardeio não quando se lê, mas quando se ouve. Nem precisaria disso. Assim que a palavra é passada aos combatentes as idiossincrasias ficam evidentes. Deve haver algo de muito errado com um país quando o ameríndio, convocado a lutar, estende ao "amarelo baixinho e iletrado" o mesmo tipo de preconceito que ele sofre do restante dos soldados.

A certa altura da retirada, o alto escalão da ofensiva aparecia em campo somente para distribuir medalhas aos vietnamitas que começavam a recompor o exército contra o Vietcongue, em substituição aos estadunidenses. Ironia: em A Queda (2004), Adolph Hitler, ciente da derrota, saía de seu bunker somente para condecorar os adolescentes nacionalistas que morreriam pouco depois. Não havia, num cenário assim, como conquistar os corações e as mentes dos vietnamitas - único modo, segundo um estrategista no início do filme, de vencer a guerra. Hoje isso é repetido em Bagdá: deve-se conquistar a confiança dos iraquianos para estabelecer a paz.

No fim das contas, os únicos corações e mentes cooptados aqui são os dos próprios estadunidenses. Davis faz questão de filmar jogos de futebol americano e palestras de ex-prisioneiros de guerra em escolas para demonstrar como a compulsão pela vitória e a xenofobia estão arraigados na cultura nacional. Repare no close-up reservado a uma baliza - a menina que abre a parada militar equilibrando um bastão. Toda maquiada e sorridente, ela é o emblema nefasto dessa política de Estado. O coração voltado para a suposta defesa dos ideais democráticos. A mente convencida da superioridade da América.