21 setembro 2006

O Tempo Que Resta



Nota: 7

Às vezes a vida pode ser mais solitária do que o momento da morte. É disso que fala o sensível e acessível filme francês Tempo que resta (Le temps qui reste, 2005).

O diretor François Ozon parece ter se livrado dos exageros cênicos de 8 Mulheres e dos dramatúrgicos de Swimming Pool. Aqui ele investe numa melancolia similar à de Amor em 5 Tempos - melancolia essa que fica expressa logo no belo primeiro plano. Um garoto está sentado na praia, de frente para o mar. Surgem os créditos, com os nomes do elenco e da equipe. O menino segue sentado, a fotografia colorida dá uma sensação de sonho de infância. Na hora em que ele se levanta para nadar, surge o título... o tempo que resta.

Não é fatalismo, mas sensatez. A hora de todos um dia chega - só que Romain (Melvil Poupaud) não esperava a sua. Fotógrafo de sucesso, gay assumido, mal chegado aos 30 anos, ele recebe de um médico a notícia de que está com um câncer generalizado. Tem uns três meses de vida. Na sua família há casos de tratamentos que debilitaram ainda mais os doentes. Romain não quer fazer quimioterapia. Rapidamente decide também que não contará nada aos seus pais ou ao namorado.

O que fazer, então, com o tempo? Esse tipo de proposta, a dos filmes que falam da morte como um acerto de contas e uma revisão da existência, não é original. Morrer, oras, não é original. Não vivem dizendo que a vida passa diante dos olhos nos momentos finais? É o assunto mais manjado, e mesmo assim Ozon trata-o com frescor. Ser sensível, no caso, é não abusar de músicas melosas nem de armadilhas sentimentais. Se há uma boa característica dos franceses que o diretor conserva é o de ser anti-melodramático.

Romain se esforça para se distanciar das pessoas mais próximas dele. Ele insulta propositalmente sua irmã (Louise-Anne Hippeau) e rompe de maneira cruel com seu namorado (Christian Sengewald). Ele não se preocupa com o choque que sua morte vai causar à família - apenas acha mais fácil agir dessa maneira.

Mas algo estranho acontece quanto ele viaja para encontrar sua avó. Uma garçonete jovem e casada (Valeria Bruni-Tedeschi, que Ozon dirigiu no ano passado em O Amor em 5 Tempos) mostra que o acha atraente. Na próxima vez em que vê Romain, ela lhe conta que seu marido é estéril e, em nome do casal, pede a Romain que a engravide. Romain recusa o convite, mas muda de idéia mais tarde. E os três vão para a cama juntos, numa das raras cenas de amor a três vistas no cinema que consegue ser comovente e emotiva, em lugar de apenas lasciva.

Além disso, Romain começa a fazer fotos diferentes das que fazia profissionalmente. Sua perspectiva mudou. É quase como se essas fossem as imagens que ele gostaria de levar consigo para sua próxima vida. A imagem final do filme é a de um homem que encontrou dentro de si mesmo a paz interior na qual poderá passar os derradeiros dias de sua vida.

E há todo um conceito implícito na história. O fato de Romain ser um fotógrafo não é gratuito. No começo do filme ele está fazendo um ensaio de moda - ligeiro, dezenas de cliques por minuto, superficial. Quando fica sabendo da doença terminal, começa a olhar o mundo de jeito diferente. E a narrativa passa a acompanhar esse olhar: mais pausado, paciente, contemplativo. Com a sua câmera Romain capta momentos banais e extrai deles a essencialidade. O personagem não diz, mas quer viver para sempre através dessas imagens. Assim como Ozon quer durar por meio das suas.