O Sabor da Melancia
Nota: 7,5
Uma atriz pornô vestida de enfermeira atravessa um corredor com uma melancia nos braços. A fruta - descobrimos logo em seguida, nas cenas que abrem O Sabor da Melancia (Tian Bian Yi Duo Yun, 2005) - é objeto de cena. Deitada sobre lençol branco, ela coloca meia melancia no meio das pernas abertas. O "doutor" se aproxima. Lambe a fruta. Apalpa a polpa. Cavuca a melancia. A mulher geme. É o clímax. Ele enfia pedaços bem vermelhos na boca dela. O sumo lhe escorre pela cara saciada.
É importante começar assim, pela metáfora pornográfica, a falar do novo filme do malaio Tsai Ming-Liang. Não é sessão para qualquer um. E se eu partisse classificando-o como um musical pornô kitsch, também não ajudaria muito. Se a descrição da cena acima lhe incomodou, desculpe - era preciso dividir um pouco da experiência visual para tentar explicar, com palavras que serão sempre insuficientes, o que é essa obra-prima de som e imagem que se chama O Sabor da Melancia.
Hsiao-Kang, o ator, praticamente secou a fruta - mas não cansou. No alto de um prédio em Taiwan, num quarto onde funciona a produtora pornô, ele continua a encenar. Entre uma gravação e outra, cruza no corredor com Shiang-chyi, moradora de um apartamento abaixo, que assiste televisão espremendo entre as pernas um pufe em forma de flor. Ela carrega garrafões cheios quando pode. Uma onda de calor assola Taiwan e, como em muitas regiões da China que crescem desmedidamente, está faltando água. Está sobrando melancia.
Shiang-chyi e Hsiao-Kang não dividem apenas o calor e a sede. Eles têm algo em comum, aqueles anseios que as pessoas não externam mas que sufocam por dentro. Aos poucos os dois se conhecem melhor. Ela cozinha os caranguejos que ele luta para colocar dentro da panela. Ele tenta destrancar a mala dela. Ela serve o molho no lamen que ele prepara. Eu disse que O Sabor da Melancia é um musical pornô kitsch? Corrija aí, por favor: além de tudo isso ainda é uma comédia romântica gastronômica existencial.
Mas continua sendo uma experiência menos dramatúrgica e mais sensorial, essencialmente audiovisual. Som e imagem se fundem em cenas de banalidade (malas com rodinha atravessando uma passarela), em cenas de poesia (a água que brota do asfalto) e em cenas de exagero (números musicais cafonas com direito a multidão de guarda-chuvas, como nos clássicos da Metro). Tudo funciona na base da simbologia, e a leitura depende muito da reação do espectador. O Sabor da Melancia está escancarado a interpretações, e a partir daí dá pra dilatar o gênero ainda mais. Modernidade e globalização estão em pauta. Especificamente em Ming-Liang, a questão é: como sobreviver à "seca" de humanidade da China em transformação.
Como sobreviver? Lambendo a fruta. Apalpando a polpa. Cavucando a melancia. Deflorando o pufe. Pondo o caranguejo pra dentro da panela. Molhando o lamen. Destrancando a mala. Provavelmente O Sabor da Melancia é o filme com mais metáforas sexuais da história do cinema. Se, na hora em que a carnalidade chega de verdade, apaixonada, redentora, jorrante, o espectador se indignar, é porque deixou o rico e colorido léxico cinematográfico de Tsai Ming-Liang lhe passar despercebido.
Enquanto o máximo de conversa entre os protagonistas é um tímido "psiu", o romance é dolorosamente construído por meio de imagens metafóricas, sempre com a frieza do movimento de câmera quase nulo. A incomunicabilidade entre os seres humanos é um dos temas principais do filme e provocou intenso debate com sua mistura de pornografia, solidão urbana e musical kitsch.
Se por um lado, o relacionamento não-verbal, entremeado com cenas pornôs e performances musicais que beiram o ridículo, incomoda tanto quanto a urgência de amor vivida pelos personagens; por outro lado, a fotografia meticulosamente calculada faz o espectador deleitar-se num mundo de possibilidades: bolas de sabão saem da torneira seca, melancias correm pelo rio, pessoas dormem em redes colocadas no vão livre das escadas de um prédio.
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