21 setembro 2006

A Dama na Água



Nota: 8

A mais recente investida do roteirista e diretor M. Night Shyamalan (de O Sexto Sentido e Sinais) na seara da paranormalidade pode ser conferida em A Dama na Água.

A trama interpõe fatos extraordinários e corriqueiros num condomínio erguido em volta de uma piscina num subúrbio da Filadélfia. No local, aparecem seres de uma história infantil.

Trabalhando com um elenco talentoso e um design visual forte criado pelo diretor de fotografia Christopher Doyle, Shyamalan consegue criar um clima de suspense e ameaça constante, misturados com magia e algumas pitadas de comédia. Mas faltam algumas coisas que não sei dizer, o filme fica meio no ar, os detalhes do conto de fadas são escassos e complexos demais para inspirar confiança.

O ator Paul Giamatti é Cleveland Heep, um sujeito que se esconde da vida trabalhando como zelador do condomínio Cove Apartments. Ele começa a desconfiar que alguém nada na piscina à noite, o que é contra os regulamentos. Quando persegue o invasor, Cleveland cai na piscina e é resgatado por uma mulher que lembra uma ninfa (Bryce Dallas Howard). Ela diz se chamar Story e afirma ser do mundo das águas e estar sendo perseguida por seres ferozes.

Uma das inquilinas, uma coreana (June Kyoko Lu), relata a Cleveland uma "história do Oriente" que se enquadra com os particulares da situação. Story seria um ser das águas conhecido como "narf", e seu adversário feroz é um "scrunt", espécie de cruzamento entre uma hiena e um javali. Embora não saibam disso, vários humanos que vivem na região onde a narf aparece teriam poderes que lhes possibilitariam protegê-la e ajudá-la a chegar a seu destino.

Cleveland, que acredita piamente na história, procura entre os moradores do complexo quais são os que se encaixariam nos papéis necessários. Seu mentor relutante é o inquilino mais novo, Mr. Farber (Bob Balaban), um cínico crítico de cinema e livros que, pelo fato de conhecer todas as tramas e os personagens possíveis, imagina que será capaz de identificar os candidatos óbvios.

Será que o sr. Dury (Jeffrey Wright), um pai amoroso que gosta de fazer palavras cruzadas, é o Intérprete dos Sinais? E a sra. Bell (Mary Beth Hurt), que gosta de animais, pode ser a Curandeira? Uma coisa curiosa em todos eles é que, quando Cleveland os aborda como sua história sobre narfs e scrunts, nenhum deles o olha com espanto e pensa que ele precisaria ser internado num hospital psiquiátrico.

O filme em nenhum momento dá aquele passo para dentro do guarda-roupa, como fez mais recentemente As Crônicas de Narnia. Esta história infantil não chega a convencer o espectador, e os objetivos das forças opostas são muito vagos. Se a narf é um ser aquático, então por que ela deve ser resgatada por uma águia? Se o simples aparecimento de Farber consegue impedir um ataque iminente do scrunt, então por que o scrunt ataca Farber na próxima vez em que o vê pela frente?

Paul Giamatti está ótimo como o ser atormentado cuja vida tristonha pode ganhar novo ânimo com esse contato estreito com a narf. Bryce Dallas Howard faz um ser sedutor e belo, mas o papel é mais efêmero do que aquele que ela representou em A Vila, também de M. Night Shyamalan.

Os outros atores estão maravilhosos, mas Cindy Cheung se destaca como alguém que também vive em dois mundos paralelos, embora ambos sejam humanos: a casa tradicional de sua mãe, e a vida americana à qual ela tão prontamente adere. Resumindo: um mundo de conto de fadas existe dentro do cotidiano, mas a maior parte de sua magia continua trancada na cabeça de M. Night Shyamalan.

O filme não foi muito compreendido, ou não quiseram compreende-lo desde sua criação. Num jantar, no ano passado, no restaurante que M. Night Shyamalan, homem de hábitos rígidos, sempre freqüenta, na Filadélfia, Estado da Pensilvânia, onde mora com a mulher e duas filhas e sempre filma, o diretor indo-americano de 36 anos não podia acreditar no que ouvia. E o que ouvia eram críticas, pela primeira vez em sua carreira, duras críticas. Seus autores eram os executivos do estúdio com quem trabalhava desde seu primeiro filme importante, O Sexto Sentido (1999), que colocou a frase "I see dead people" no dicionário da cultura pop e levou US$ 672 milhões à Disney, só em bilheteria mundial, sem contar vídeo, DVDs e exibições de TV.
Chamado numa reportagem de capa da revista norte-americana "Newsweek" de "O próximo Spielberg", Manoj Nelliyattu Shyamalan (tanto a abreviação do primeiro nome quanto o "Night" são da época da faculdade) tinha poder de fogo. Seus filmes foram relativamente baratos para os padrões de Hollywood, entre US$ 60 milhões e US$ 70 milhões para fazer. E deram resultado: além de Sexto Sentido, Sinais (2002) faturou US$ 408 milhões; Corpo Fechado (2000) e A Vila (2004) levaram US$ 250 milhões cada um.

Mas o roteiro de A Dama na Água, seu sétimo longa, tinha problemas. Pelo menos é o que achavam os executivos da Disney naquele jantar, liderados por Nina Jacobson. Eles haviam recebido cada um em sua casa cópias do roteiro com seus nomes marcados em cada página, para evitar que algo caísse na internet. Um personagem chamado Story (História)? Que era uma ninfa marinha que vinha do fundo da piscina para salvar o mundo? Um crítico de cinema que era desprezível? E os nomes dos personagens e os termos inventados? "Cleveland" (Paul Giamatti, o zelador do prédio)? "Narf" (a ninfa)? "Tartutic"? Nada fazia sentido. O roteiro precisava de mudanças fundamentais. Era a primeira vez que Shyamalan ouvia isso do estúdio para o qual levou mais de US$ 1,5 bilhão em meia década, dinheiro trazido de roteiros originais, não adaptados, o que é algo cada vez mais raro em Hollywood hoje.

"Com a exceção da Pixar, fiz os quatro filmes seguidos mais lucrativos de todos os tempos", diz o diretor, que se considera uma espécie de Alfred Hitchcock moderno, de quem procura imitar a excentricidade.