25 julho 2006

O Libertino



Nota: 5

Depois de criar uma galeria inesquecível de personagens esdrúxulos e inconformistas, Johnny Depp mergulha no campo do monstruoso no filme O Libertino.

O ator representa o poeta provocador e libertino do século 17 John Wilmot, conde de Rochester, que alcançou a fama literária apenas após sua morte, aos 33 anos, de sífilis e do abuso de álcool.

Uma das poucas coisas notáveis que o diretor Laurence Dunsmore consegue neste seu primeiro filme é fazer com que o protagonista, um homem repulsivo, dotado de apetites sensuais compulsivos, vá ficando mais reconhecível à medida que se torna mais fisicamente grotesco. Um Marques de Sade menor.

O papel representado por Depp possui um poder de sedução espantoso por baixo de sua repulsiva expressão de desdém - trabalho que encontra eco em seus personagens anteriores, como Raoul Duke, Jack Sparrow e Willy Wonka.

Como seu personagem principal, O Libertino faz certas concessões às expectativas dos espectadores. O longa, filmado como se através de camadas de sujeira, adota abordagem totalmente diferente da de outros trabalhos de época, como por exemplo Shakespeare Apaixonado.

O filme começa com um monólogo de Wilmot, que foi um escritor hedonista que escandalizou a corte inglesa no século 17 com seu comportamento libidinoso. Ele se apresenta ao público falando diretamente à câmera. Ao final, vaticina: "Vocês não irão gostar de mim".

Para um filme de época, gênero recheado de histórias açucaradas e heroínas adoráveis, é um início promissor. Mas, ao longo da maior parte da projeção, o personagem se revela mais palatável do que sua apresentação faria supor, um libertino em crise existencial e de bom coração.

Baseado em uma peça teatral, O Libertino caminha com elegância em seus dois primeiros atos. No terceiro, porém, há uma virada brusca no caráter de Wilmot, e a narrativa desanda. É como se o filme se sentisse na obrigação de justificar o monólogo inicial, de se apresentar como um antídoto ao filme de época tradicional.

Favorito na corte do rei Charles 2o. (John Malkovich, que representou o papel-título na estréia da peça nos EUA), Rochester aceita a encomenda de escrever uma obra literária importante para o rei.

No lugar de pôr mãos à obra, porém, ele continua a dedicar seu tempo à bebida e ao sexo. Entre uma escapada e outra, troca farpas pornográficas com os escritores George Etherege (Tom Hollander) e Charles Sackville (Johnny Vegas).

Ele sai um pouco dessa rotina de libertinagem quando vê a atriz principiante Lizzie Barry (Samantha Morton) ser vaiada fora do palco. Ela faz parte da primeira geração de mulheres a atuar no teatro, e Rochester decide convertê-la numa das grandes estrelas dos palcos londrinos.

Conhecido por sua honestidade brutal, ele exige verdade das atuações de Lizzie, e a atriz obstinadamente independente, superando seus receios, cresce e aparece sob sua tutela. Ao mesmo tempo, torna-se a amante de Rochester, despertando nele uma paixão que ele só irá admitir quando for tarde demais.

Embora seja capaz de ouvir com respeito os conselhos de sua prostituta favorita (Kelly Reilly), o conde trata sua mãe devota (Francesca Annis) com desprezo.

As relações são mais complexas com sua esposa, Elizabeth (Rosamund Pike), que tem plena consciência de suas traições. Pike tem uma boa atuação, mas pouco aproveitada, no papel de mulher cuja relação com Rochester começou na adolescência, quando ela foi raptada pelo conde, e que acaba cuidando dele com devoção.

Apesar de estar quase irreconhecível, com nariz falso e peruca gigantesca, Malkovich representa com intensidade contida o soberano que adere às maravilhas do progresso científico e intelectual. Sob uma aparência de reprovação oficial, ele parece divertir-se com a irreverência da produção literária de Rochester.

Apesar de toda a libertinagem, há algo de convencional na profusão literária dos diálogos deste filme de época sombrio, em que Johnny Depp representa um anti-herói que tenta ser dócil.