22 abril 2006

V de Vingança



Nota:9

V de Vingança, dos criadores de Matrix, se insere no espectro da cultura pop que também parece dar uma banana a quem exige "responsabilidade" na abordagem de certos assuntos. Neste caso, algo especialmente caro à geopolítica atual, o terrorismo.

A ação ambienta-se no Reino Unido, mas em futuro nebuloso - os EUA se consomem em guerra civil, e o império britânico readquire o antigo protagonismo. Os governantes, com sempre, mantêm o poder graças a um estado de terror: o perigo mora na esquina, cidadão, e você precisa de nós para viver com segurança. Autoritarismo, assassinatos, medo, assim como em 1984, de George Orwell, os governantes mentem, oprimem e manipulam a imprensa, para conseguir manter a "ordem".

Depois dos atentados do 11 de Setembro, não há como ignorar as conexões que um argumento como esse estabelece. V de Vingança procura reiterá-las. E, caso alguém não tenha entendido, encena versão própria do macabro espetáculo de destruição das torres gêmeas do WTC. Quero deixar registrado que mesmo assim, a implantação do caos no filme, é infinitamente inferior a dos quadrinhos.

Pela simbologia, o paralelo se aproxima mais do Pentágono, da Casa Branca ou do Capitólio. Um certo anarquismo, distante do significado político do termo, pauta o enfrentamento do poder. Não acredite em ninguém com mais de 30 anos, que use terno e gravata e que ouse dizer que governa em meu nome. "Eles" mentem, manipulam e jogam a polícia para cima de você.

Muitas pessoas terão problemas com V de Vingança. O gênio dos quadrinhos que escreveu as histórias glorificadas nas quais se baseiam o filme, Alan Moore, já teve. Ele não quer que seu nome seja associado ao filme, mas Moore reagiu assim a quase todas adaptações de suas obras.

Depois, algumas pessoas simplesmente não vão aceitar um herói terrorista, que deseja tanto a liberação quanto a vingança. Além disso, ele transporta grandes quantidades de explosivos, imagine, pelos túneis do metrô londrino recentemente atingido por explosões suicidas. Realmente não tenho argumentos. Mas digo que, se essas idéias não fizerem seu sangue ferver, V tem muito brilho subversivo.

Não tenho certeza se sua política faria sentido mesmo que fosse divorciada da atual guerra ao terror (as primeiras tiras de Moore e do ilustrador David Lloyd de V foram publicadas em 1981). No entanto, sua irada reação contra os que abusam do poder, exploram o medo e disseminam a opressão sob o disfarce de proteção e moralidade é eminentemente adorável. Especialmente para as pessoas que vêem evidências de que novas ditaduras e facismos estão se infiltrando em tudo hoje em dia.

Gostaria de poder vibrar por V de Vingança com todo o coração.

O caos parece ser a única alternativa à tirania - e isso é ótimo, principalmente em se tratando de um filme de Hollywood. Mas a confusão também domina o roteiro no ato final, e isso não é bom. Complexo e envolvente nos dois primeiros terços, o filme faz o espectador coçar a cabeça muito antes do final.

Dois bons atos em três pelo menos é uma média melhor do que conseguiu a trilogia Matrix, onde criam uma idéia inovadora de início e desandam nas continuações. Larry e Andy Wachowski fizeram os roteiros dos dois e produziram V, mas deixaram a direção para seu antigo assistente de direção, James McTeigue. As idéias rebeldes se perdem perto do final, V precisa impor a idéia de liberdade para a mocinha, existem poucas destruições e menos caos do que nos quadrinhos, o povo parece ser manipulado pelo "herói" o tempo todo, e ele parece lutar mais pela vingança do que pela liberdade dos homens.

Momentos excitantes e idéias radicais abundam, porém. Depois de aparentes ataques biológicos, o chanceler ditatorial Sutler assume o poder. Meio Hitler, meio Bush, meio Cidadão Kane, ele é visto em monitores de vídeo estilo Big Brother (no elenco divertido, ele é interpretado por John Hurt, que foi Winston Smith no último filme 1984). Sutler basicamente proibiu a arte e o pensamento livre, perseguiu todos os grupos de pessoas que discordem de seus ideais e assumiu o controle da mídia, com a ajuda de muitos sujeitos que provavelmente começaram em programas de rádio.

Mas o povo assustado e oprimido tem um defensor, V (Hugo Weaving), que sai queimando locais históricos, assassinando cúmplices de Sutler e, na vasta caverna subterrânea que ele chama de Shadow Gallery, salvando as melhores coisas da cultura Ocidental. Ah, e como aquele outro esteta/assassino subterrâneo do Fantasma da Ópera, o desfigurado V sempre usa capa e máscara. Ele cobre o rosto totalmente e parece Guy Fawkes, o rebelde católico que tentou dinamitar o Parlamento em 1605.

Apesar de a imprensa dizer que as luzes e os ângulos das câmeras ajudaram muito, para mim pareceu que Weaving (Agente Smith de Matrix) fez tudo com sua voz e linguagem corporal subliminarmente evocativa. É impressionante como transmite efetivamente o rancor impiedoso de V, sua grande erudição e o jogo mortífero que move sua luta pela justiça. Há também aquele atributo de todo bom Fantasma, a dor do amor não correspondido. Algo, que na minha opinião, poderia ter sido eliminado do filme.

Esse amor é por Evey (Portman), uma funcionária da televisão que está tentando superar um passado marcado pelas maquinações brutais de Sutler. Ela é alternativamente salva, capturada, educada, atormentada, encantada e alarmada por V. Talvez ele não consiga tudo o que quer de Evey, mas poderia torná-la melhor revolucionária que ele conseguirá ser, limitado por seu ódio fatal.

Mas ela não é super, como V. Talvez ele seja mais que isso; alguns dizem que realmente representa o espírito da liberdade ou outras coisas paranormais sem sentido que não ajudam a lógica do roteiro. De qualquer forma, a capacidade de V de executar os planos mais elaborados desabona o inspetor Finch (Stephen Rea), detetive encarregado de prendê-lo. Um homem aparentemente bom, (crítica: desculpe Moore, mas não existe policial bom! São todos assassinos do Estado) Finch descobre mais coisas ruins sobre as pessoas para quem trabalha do que sobre o fanático que está caçando.

Um jogo mental gigantesco, composto de inúmeros menores, V de Vingança é aquele tipo raro de filme de diversão que também faz pensar - como o primeiro Matrix, como Clube da Luta e outros filmes norte-americanos - realmente capaz de fazer você questionar suas noções complacentes de certo e errado, de inimigo e defensor; reflete com tanta sagacidade as preocupações deste momento na história que se torna quase um filme importante. Poderia de fato ter sido, se o público não saísse do filme se perguntando o que foi que acabou de assistir. Acho que os diretores se perderam entre fazer entretenimento e fazer crítica política. Mas vale, e muito, a pena ver este filme. Não perca.