O Que Eu Fiz Para Merecer Isto? - Almodóvar (1984)
Nota: 7
Carlos Saura havia feito Carmen (1983). Com A Colméia (1982), Mario Camus recebera o Urso de Ouro no Festival de Berlim, que atribuiria mais tarde o prêmio de melhor ator a Fernando Fernán-Gómez por Stico (1984), de Jaime de Armiñán. José Luis Garci ganhara o Oscar de filme em língua não-inglesa por Começar de Novo (1982). Caminhava bem a produção espanhola de prestígio internacional com a chegada dos socialistas ao poder, em 1982, e a escolha da cineasta Pilar Miró (1940-1997), que havia trabalhado na campanha eleitoral, para chefiar o órgão estatal de cinema. Os novos ares, acompanhados de verbas para financiamento, começavam a beneficiar veteranos e jovens.
Era esse o cenário favorável em que Pedro Almodóvar, então com 35 anos, lançava Que Fiz Eu para Merecer Isto? (1984). Ali, se encerrava o ciclo irregular de experimentação que inclui Pepi, Luci e Bom (1980), Labirinto de Paixões (1982) e Maus Hábitos (1983). Matador (1986) e A Lei do Desejo (1987), seus filmes seguintes, dariam início à bem-sucedida transição do cineasta para um lugar no centro da produção espanhola.
Até então, Almodóvar ocupava ainda posição periférica. Era visto como um corpo estranho, difícil de classificar. Embora houvesse o reconhecimento de que em seus filmes iniciais pulsava um universo peculiar, restrições severas - algumas em caráter condenatório - eram feitas a sua capacidade de organizar narrativas em torno de personagens e situações incomuns.
Que Fiz Eu para Merecer Isto? condensa essa tensão no momento em que ela começava a se resolver. No fundo, é dela que se trata. Por um lado, reaparece o catálogo de comportamentos bizarros, em ambiente às vezes surrealista, que imprimira feição particular aos três primeiros longas do cineasta. De outro, o cenário social é quase neo-realista - apartamentos claustrofóbicos em um bairro-dormitório de Madri.
A vida privada da classe operária, recriada por alguém mais próximo de Freud, Salvador Dalí e Luis Buñuel (sem falar em Alfred Hitchcock e Douglas Sirk) do que de Marx, Roberto Rossellini e Vittorio De Sica. Carmen Maura, que já havia feito dois filmes com Almodóvar, reaparece aqui como a protagonista, revezando as máscaras de mãe, mulher, amante, nora, faxineira e vizinha. Em torno dela, um punhado de figuras - algumas caricaturais, outras bem desenhadas - encena um balé de coreografia incomum, em que não se sabe direito quem dança com quem.
O ponto talvez seja, para usar verbo-chave em sua filmografia, notar quem deseja quem (ou o quê). A cadeia inclui um manuscrito falso atribuído a Hitler, criança com poderes sobrenaturais, adolescentes precocemente inseridos no mundo adulto, mulheres insatisfeitas, homens ausentes ou impotentes. A essa altura Almodóvar ainda dedicava mais atenção às partes do que ao todo. A partir de seus próximos filmes, as partes geram organicamente o todo.
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