25 abril 2006

Magnólia



Nota: 8,5

Depois do interessante Boogie Nights, o jovem diretor Paul Thomas Anderson tinha um belo desafio pela frente: como fazer jus às expectativas de seus fãs recém-conquistados, que aguardavam seu novo trabalho com ávida ansiedade? A maneira encontrada foi inusitada: Anderson inspirou-se em várias músicas de uma amiga, a cantora Aimee Mann, para escrever um roteiro absolutamente inovador e incrivelmente complexo, que seguia os acontecimentos da vida de nove pessoas durante um período de 24 horas na cidade de Los Angeles.

Apesar de ser comparado por alguns à Short Cuts, de Robert Altman, Magnólia prova sua originalidade logo em sua seqüência inicial, que de maneira engenhosa e criativa aborda três interessantes narrativas (supostamente reais) de mortes que envolveram coincidências inacreditáveis. A partir daí, o filme mergulha na vida de seus personagens, criando na platéia uma intensa expectativa de descobrir como todos serão inter-relacionados no final da trama.

Talvez a maior proeza de Paul Thomas Anderson em Magnólia seja sua capacidade de fazer com que o espectador se envolva com todas as figuras que cruzam a tela sem provocar um nó na cabeça de quem assiste ao filme. Intercalando as diversas tramas, o diretor consegue manter um ritmo constante enquanto desenvolve paralelamente as situações vividas por seus personagens. Assim, ao mesmo tempo em que acompanhamos o sofrimento do paciente de câncer terminal Earl Partridge, descobrimos que a esposa deste vem mergulhando em uma cruzada de auto-destruição por julgar-se culpada por suas traições. Neste meio-tempo, conhecemos Frank T.J. Mackey, um mestre da auto-ajuda que ensina homens inseguros a levar mulheres para a cama. No entanto, logo somos informados de que Frank é, na verdade, filho de Earl, que incumbe seu enfermeiro Phil de encontrá-lo. Além disso, há Jimmy Gator, o apresentador de um jogo de perguntas protagonizado por crianças-prodígio - entre elas, o pequeno Stanley, sempre pressionado pelo pai, Rick. Gator, por sua vez, é pai de Claudia, uma jovem viciada que saiu de casa há dez anos e que acaba de conhecer o sensível policial Jim Kurring. E não podemos nos esquecer de Donnie Smith, que em sua infância foi um dos grandes astros do programa de Gator... e isto é apenas o começo.

Com uma galeria de personagens tão interessantes, seria injusto destacarmos uma ou outra atuação, pois o elenco de Magnólia é homogeneamente competente: se por um lado temos Philip Seymour Hoffman, cujo olhar de bondade e compreensão é naturalmente emocionante, por outro temos um Tom Cruise performático e intenso (e que protagoniza uma cena absolutamente maravilhosa no final do filme). Enquanto isso, John C. Reilly prova mais uma vez merecer um lugar ao sol em Hollywood ao manter uma química perfeita com a bela e talentosa Melora Walters. E ao mesmo tempo em que o jovem Jeremy Blackman demonstra um talento promissor, o veterano Jason Robards encarna um dos papéis mais intensos de sua brilhante carreira. Temos, também, o sempre competente William H. Macy, que aqui vive um indivíduo patético e confuso com relação aos próprios sentimentos. A única decepção reside na atuação over de Julianne Moore, que já começa o filme em ritmo de histeria - o que impossibilita sua personagem de crescer ao longo da trama.

Assim como em Boogie Nights, a direção de Anderson é uma atração à parte: além dos belos movimentos de câmera e dos abundantes closeups, ele ainda abusa das longas e complexas tomadas que marcaram seu trabalho anterior (destaco a cena em que o diretor acompanha vários personagens enquanto estes caminham pelos corredores da emissora de televisão - um brilhante uso de steadycam). Em outro momento, ele mantém sua câmera fixa no interior da cozinha de Claudia enquanto esta conversa com o policial Jim na sala (algo que me lembrou a cena em que Robert De Niro era dispensado por Cybill Shepherd pelo telefone em Taxi Driver, quando até mesmo a câmera de Scorsese se afastava para evitar o embaraço da situação).

Com 188 minutos de duração, Magnólia nunca é cansativo, já que algo está sempre acontecendo na tela (seja através da ação ou das mudanças nos personagens). Sempre instigante, o filme possui três seqüências especialmente dignas de nota: a primeira acontece quando Jason Robards se lembra de sua primeira esposa e lamenta os erros cometidos no passado, fazendo um comovente discurso enquanto os demais personagens atravessam seus próprios momentos de dificuldade. A segunda é ainda mais emocionante, pois representa o clímax do sofrimento vivido por todos, que acabam se unindo ao cantar uma mesma música, Wise Up (cujo refrão diz: 'Isso não vai parar; portanto, apenas desista'). A terceira seqüência é justamente aquela que abordarei com maiores detalhes no fim do artigo e sobre a qual não discorrerei agora para não estragar a surpresa de quem não assistiu ao filme.

Repleto de mensagens, o belo roteiro de Paul Thomas Anderson ainda enfatiza questões como a recusa do amor (Frank T.J. Mackey ensina como evitá-la; Stanley canta um trecho da ópera Carmen; Jim Kurring tenta encontrar uma parceira através de um sistema de mensagens; e assim por diante) e as complicadas relações entre pais e filhos (Jimmy e Claudia; Frank e Earl; Stanley e Rick; o roubo do dinheiro de Donnie Smith; etc). E estes são apenas dois dos temas deste soberbo filme, que ainda investe em vários outros.

Apesar de não ter sido reconhecido no último Oscar, Magnólia é certamente um dos melhores - senão o melhor - filme de 1999 (levou o grande prêmio no Festival de Berlim). Talvez o estilo auto-indulgente de P.T. Anderson seja uma das causas que o tornam 'antipático' para os conservadores membros da Academia (não é todo mundo que agüenta mais de três horas de diálogo); talvez o problema resida em seus temas polêmicos (especialmente drogas e sexo). Seja como for, tenho a mais absoluta convicção de que chegará o dia em que este diretor/roteirista será reconhecido como uma das grandes revelações da década de 90. Ou você ainda duvida disso?

Êxodo 8:2 - A Surpresa de Magnólia

Muitas foram as pessoas que condenaram Magnólia em função de uma inesperada reviravolta que acontece na meia hora final de projeção. Para estas pessoas, o filme se torna ilógico e até mesmo insuportavelmente surreal a partir do momento em que os personagens da história são surpreendidos por uma intensa chuva... de sapos!

Mas será que este fenômeno que assola Los Angeles no final da trama é tão sem sentido assim? Não creio. Quando assisti a este filme pela primeira vez, interpretei a chuva de sapos como uma metáfora para o 'acaso' - aquele fator inesperado que pode alterar o curso da vida de qualquer pessoa: um acidente, uma briga, a descoberta de uma marca de batom no colarinho, um pneu furado... O que me levava a esta análise era a seqüência de abertura do filme, que abordava as incríveis coincidências que ocorriam a todo instante por todo o planeta. Pensem nisso: uma pessoa está passando em frente a um shopping center quando, de repente, sente fome e decide comer algo na praça de alimentação do lugar. Momentos depois, uma explosão provocada por um vazamento de gás acontece e ela morre (todos se lembram desta tragédia recente). Ou - para citarmos outro trágico caso real - uma garota caminha tranqüilamente pela Avenida Paulista quando, para seu infortúnio, um guindaste despenca de uma altura de mais de vinte andares, atingindo o chão no exato momento em que ela passava no local. Para mim, a 'chuva de sapos' representava a explosão de gás ou o guindaste. Um infortúnio. O acaso.

No entanto, depois de assistir Magnólia mais duas vezes, compreendo que estava equivocado. Há uma outra interpretação muito mais complexa, interessante e simbólica para a famosa chuva do filme. Na verdade, a pista inicial que me levou a esta análise partiu da observação de um curioso cartaz na cena em que o programa de Jimmy Gator está prestes a começar. Carregado por um membro da platéia do show, o cartaz traz a inscrição 'Êxodo 8:2'. Uma rápida consulta à Bíblia revela o seguinte versículo: 'Mas se recusares a deixá-lo ir, eis que ferirei com rãs todo o seu território'.

E isso muda tudo, sendo o 'acaso' substituído por 'intervenção divina'. Em minhas visitas subseqüentes ao filme, percebi (para meu grande espanto) que os algarismo 8 e 2 estão presentes ao longo de toda a trama, provando que Paul Thomas Anderson não é apenas um diretor competente, mas também um autor capaz de sutilezas surpreendentes. Alguns momentos em que estas pistas podem ser encontradas são:

- Na seqüência inicial: na lateral do avião que apaga o incêndio na floresta; no formato de uma corda localizada aos pés do jovem que salta do prédio; e nas cartas distribuídas pelo homem que viria a ser atirado no alto da árvore.

E mais:

- No letreiro que diz 'Probabilidades de chuva: 82%';

- Na caixa postal de Jim Kurring;

- Na numeração de presidiária de Marcy;

- No quadro-negro do bar freqüentado por Donnie Smith;

- Na placa do carro particular de Kurring; e assim por diante.

Outro elemento de Magnólia que chamou minha atenção foi o garotinho que canta um rap para o policial Jim Kurring. Quem é ele? Por que está tão ansioso para que Worm (possível assassino do homem encontrado no armário logo no início do filme) seja capturado? É claro que Anderson introduziu este personagem na trama com algum propósito. Mas qual?

É então que uma frase dita por Henry Gibson (o sujeito com quem William H. Macy disputa a atenção do bartender) esclareceu a questão: enfastiado com a presença do rival, Gibson diz: 'É perigoso confundir crianças com anjos' - ao que Macy replica: 'NÃO é perigoso confundir crianças com anjos'. Uma análise apressada poderia nos levar à conclusão de que eles estavam se referindo a Brad, o jovem bartender por quem ambos estão apaixonados. Mas foi então que, ao assistir o filme pela terceira vez, prestei realmente atenção ao que o rap do garotinho dizia. Entre outras coisas, o menino dizia 'Eu sou o Profeta' e - o que é mais interessante - 'Quando tudo se complica, Deus faz chover'.

Pulemos para a cena em que Jim Kurring é quase morto por Worm: ao se atirar nos arbustos, o policial perde seu revólver. Em seguida, vemos o pequeno rapper correndo com a arma. E agora, faço a pergunta-chave: você se lembra de como o revólver reaparece? Exato! Ele cai do céu depois da chuva de sapos! E o garotinho não volta mais a aparecer...

Interessante? Pois a coisa fica ainda melhor quando paramos para analisar os resultados da chuva em si. Segundos antes dela acontecer, todos os personagens do filme atingiram seus próprios limites: Donnie Smith está prestes a ser preso por Jim (que, por sua vez, acaba de perder Claudia); Jimmy Gator resolve se matar depois de confessar para Rose que molestou a filha; Stanley se isola na biblioteca para fugir da opressão do pai; Frank passa pelo conflito de ver o pai (que pensava odiar) à beira da morte; e, finalmente, Claudia se entrega novamente ao vício. Todos parecem perdidos, solitários e tristes.

É então que Frank T.J. Mackey grita para o pai: 'Não se vá! Não se vá!'.

Lembre-se novamente de Êxodo 8:2: 'Mas se recusares a deixá-lo ir, eis que ferirei com rãs todo o teu território'.

Em resposta ao pedido de Mackey, a chuva começa e, de certa forma, traz a redenção para todos: Donnie é atingido por um sapo e quebra os dentes (o que finalmente o leva a compreender sua própria capacidade de amar - além, é claro, de agora realmente precisar de aparelho); Claudia se reencontra com a mãe; Jimmy não consegue se matar, atingindo o aparelho de televisão (outra interessante metáfora, já que sua vida na TV o levou aos excessos que o condenaram); Frank e o pai se reencontram pela última vez (Earl acorda com o barulho da chuva); Kurring decide procurar Claudia ao recuperar sua confiança (e sua arma); e Stanley decide pedir ao pai que o 'trate melhor'.

Já o enfermeiro Phil Parma, sendo o único personagem estável do filme, presencia tudo com espanto, já que não precisa daquilo para resolver seus conflitos. Não é à toa que ele é o único a dizer alguma coisa com relação à chuva de sapos. Por outro lado, a personagem de Julianne Moore já havia sido salva graças à intervenção... do pequeno rapper, que chamara uma ambulância ao encontrá-la à beira da morte.

Sim, o que estou dizendo é que talvez o garotinho fosse realmente o 'Profeta' que dizia ser. Um anjo. E talvez este anjo seja a metáfora de Paul Thomas Anderson para o 'acaso'. E, assim, voltamos ao ponto-de-partida.

Não é maravilhoso ser levado por um filme desta maneira?

1 Comments:

At 20 de junho de 2013 às 00:02, Blogger Magnolia said...

Adorei seu blog!!!
Vou assistir Magnolia de novo, com certeza
Marina

 

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