06 abril 2006

Não é Você, Sou Eu



Nota: 7

Uma indústria cinematográfica não se mede só pelas obras-primas revolucionárias. A Argentina tem Lucrecia Martel, Daniel Burman, Pablo Trapero, mas eles são exceções. É pela média que se calcula o teor da produção de um país - e nossos vizinhos mostram mais uma vez, agora com Não é Você, Sou Eu (No sos vos soy yo, 2004), que aprenderam direitinho a reciclar fórmulas e descarregá-las nas salas aos montes, enlatadas (a isso também se dá o nome de mercado).

Não há no filme de Juan Taratuto muitas idéias que não tenha sido trabalhadas a contento em outras comédias românticas do mundo todo. Mudam-se os cenários e o elenco, fica a receita. A começar pelo título - segundo consta, quem inventou essa desculpa esfarrapada para terminar relacionamentos amorosos foi George Costanza, o amigo baixinho e careca do Seinfeld. Na área "filme de romance", não existem muitas novidades, mas os diálogos e sentimentos argentinos, não sei porque, são mais reais que os demais. Você consegue se sentir muito mais na pele do herói frustrado argentino, do que na do herói norte-americano. O cinema argentino, bom ou mal, consegue fazer-nos sentir dentro da película. Mas deixa para lá, vamos à sinopse.

O cirurgião Javier (Diego Peretti) acaba de se casar com María (Soledad Villamil), seu amor bonaerense de longa data. Eles correm com a papelada do matrimônio porque pretendem deixar a Argentina, estão de mudança para Miami. María vai na frente, sentir terreno. Quando chega a sua vez, Javier devolve a casa alugada, vende o carro, pede demissão, empacota tudo. Mas a caminho do aeroporto recebe um telefonema da esposa - ela quer um tempo para pensar. "Não é você, sou eu", diz, aflita.

Não demora para Javier descobrir que foi sumariamente corneado. O pior é que permanece apaixonado por María - desempregado, sem casa, sem carro, e apaixonado. Ele começa, então, a tentar entender o que fez de errado. Sim, porque esse papo de "não é você, sou eu", na verdade, quer dizer "olha, você não serve porque eu mereço coisa melhor". Onde será que Javier falhou?

Encarar o filme de Taratuto como mais um reflexo da crise econômica e social dos anos 2000 no país é outra maneira de catalogá-lo. Como a maioria da produção nacional argentina. Ou então como, as relações afetivas destruidas pelo caos econômico, ou o dinheiro importa mais do que o amor, ou então, dinheiro traz felicidade? A rotina, o cansaço, a traição, a busca de um ideal inexistente. No caso, a senha que legitima essa interpretação está dada no começo - inúmeros cidadãos de Buenos Aires deixaram o país em busca de oportunidades fora do país depois de dezembro de 2001. E a exemplo de filmes como Conversando com Mamãe, Roma - Um Nome de Mulher e Clube da Lua (só para citar películas portenhas exibidas no Brasil recentemente), a viagem de autoconhecimento ajuda a expurgar psicodramas recentes. Para entender o que se passa ao redor, nada como entender a si mesmo.

As instáveis relações humanas na pós-modernidade, estão em moda no cinema. De Hollywood à Europa, da Ásia à América Latina, todos tentam mostrar a dificuldade do homem atual em manter uma relação. O que está acontecendo? Para onde estamos caminhando? Ninguém acredita mais em ninguém, todos buscam sonhos que nunca serão realizados. A busca por uma paixão eterna, inesgotável. O psiquiatra do filme, que cuida de Javier, tenta ser a voz da razão perante a desrazão das relações. Ele diz em determinado momento do filme, que a paixão é como o fogo, se esquentar muito, queima. Não dá para se ter uma relação que busca uma paixão eterna, como ocorre no inicio das relações, apesar dos homens buscarem isso incentivados pela mídia. As relações entre as pessoas são normais, sem nada de muito excepcional. Se passarmos a vida buscando ilusões, relações perfeitas criadas pela televisão, ficaremos sempre sós. Interessante ponto de vista.