08 dezembro 2005

Harry Potter e o Cálice de Fogo



Nota: 6

Conforme Joanne Rowling deu continuidade à série literária Harry Potter, percebeu que a maioria de seus leitores, assim como as personagens da fantasia, também cresciam. Para cada ano que o menino bruxo passava na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, dois ou mais anos se passavam no mundo real, com os fãs aguardando o próximo capítulo da aventura. Assim, Potter passava dos 12 aos 13, enquanto seus jovens apreciadores o reencontram já não tão jovens assim, com 13, 15, 17...

Ciente disso, mudanças se fizeram necessárias e o tom da história ficou mais adulto, sombrio. Contribuiu para a maturação também o crescimento do poder de Lorde Voldemort, o grande vilão da série, matador de pais que agora busca o filho sobrevivente para consolidar seu reinado de terror interrompido. O ápice de tal crescimento é o quarto livro, Harry Potter e o Cálice de Fogo. Assim, não é coincidência que a terceira continuação de Harry Potter e a Pedra Filosofal, é a primeira imprópria para menores de 14 anos. E mais... provavelmente será o mais interessante de todos os filmes, já que tem ao seu lado um elemento dramático que até então não tinha dado as caras na aventura: a fatalidade. Não interessa quem morrerá daqui pra frente, foi O Cálice de Fogo que abriu a contagem de corpos.

Mike Newell (O Sorriso de Monalisa), o diretor contratado para o longa, entendeu perfeitamente a tendência descrita acima. Seu filme reflete esse crescimento quase como se fosse uma síntese de todos os capítulos até aqui. Começa como A Pedra Filosofal, com um evento que altera uma situação estabelecida - no caso, o ataque dos Comensais da Morte, seguidores de Voldemort. Na seqüência vem a aceitação do fato e os desafios decorrentes da mudança. Há até uma espécie de ritual de passagem, com Harry Potter (novamente Daniel Radcliffe) enfrentando os desafios perigosíssimos do Torneio Tribruxo. As opções, como nas tribos ancestrais, são morrer ou agüentar a dor e obter "glória eterna". O clímax espelha a urgência do próprio filme, com a explosão dos dramáticos acontecimentos e a certeza de que nada mais será como antes.

Tecnicamente, trata-se de uma adaptação muito bem estruturada. Havia enorme preocupação de que o livro, pelo tamanho, tivesse que ser transformado em dois filmes. Bobagem. O roteirista Steve Kloves, responsável pelos três filmes anteriores, fez seu melhor trabalho até aqui. Aparou arestas, encontrou ligações e motivações inexistentes no romance e, com isso, conseguiu reduzir o calhamaço a confortáveis 157 minutos nas telonas.

Na nova aventura, o menino bruxo mais uma vez deixa o cotidiano desagradável da casa dos tios para mergulhar no mundo fantástico de seus pais. Desta vez, dois eventos significativos o aguardam ao lado dos amigos Ron (Ruppert Grint) e Hermione (Emma Watson). O primeiro é a Copa Mundial de Quadribol, o maior evento esportivo do universo dos bruxos. Mas as forças das trevas estão em ação e a concentração de fãs do esporte é um prato cheio para seu retorno. Depois, de volta à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, a tradicional competição entre as casas é substituída pelo Torneio Tribruxo, um evento que reúne as três maiores escolas mágicas. São quatro campeões (vividos por Stanislav Ianevski, Robert Pattinson e Clemence Poesy, além de Radcliffe) se enfrentando em provas dificílimas, que fornecem as melhores cenas de ação do filme - em especial o combate ao dragão. Mas a tragédia os aguarda, já que o retorno de Lorde Voldemort é iminente.

Além da interessante história, o elenco também ganhou enorme reforço. Brendan Gleeson como o desconfiado Olho-Tonto Moody, o novo professor de Defesas contra as artes da trevas, está ótimo. Ora enlouquecido, ora calmo, condição que transmite o passado de horrores por ele vivido enquanto caçava colaboradores de Voldemort. Miranda Richardson, que vive a jornalista anti-ética Rita Skeeter, tem poucos, mas divertidos momentos. O grande destaque, porém, é mesmo Ralph Fiennes. O ator inglês de O Jardineiro Fiel empresta a Cálice de Fogo toda a sua bem-vinda técnica. Seu Voldemort é dotado de uma fúria contida que lembra seu bom trabalho como o assassino serial de Dragão Vermelho.

Finalmente, Harry Potter e o Cálice de Fogo corrige também um detalhe falho dos primeiros filmes, a trilha sonora. O compositor John Williams (ele sim um verdadeiro mago) deixou muito a desejar com a música da série. Coube então a Patrick Doyle a tarefa de reescrever os temas do mundo mágico e o compositor de O Diário de Bridget Jones não decepcionou. As faixas têm personalidade sem serem intrusivas e a opção do diretor por uma banda de verdade durante o Baile de Inverno, formada por Jarvis Cocker (do Pulp, que canta as músicas que tocam na festa), Jonny Greenwood (Radiohead), Phil Selway (Radiohead) e Jason Buckle (Pulp), dá o toque final.

Com Harry Potter e o Cálice de Fogo, a franquia - na esteira do protagonista - supera seu ritual de iniciação e entra na vida adulta. A passagem foi muito boa. Resta saber se a nova fase conseguirá superá-la. É bom que consiga, porque até o capítulo final os fãs certamente estarão bem mais exigentes... e quase quarentões!