30 novembro 2005

Finais Felizes



Nota: 7,5

Não são poucos os cineastas niilistas que olham para a sociedade estadunidense com o dedo em riste. A sanha condenatória é o forte de Don Roos (O Oposto do Sexo) e ele exercita suas lições de moral em Finais Felizes (Happy Endings, 2005).

Os alvos são múltiplos. Na trama-mosaico, vidas se cruzam e se definem à ordem do acaso. Mamie (a friend Lisa Kudrow) nunca se refez do aborto cometido na adolescência. Seu meio-irmão, Charley (Steve Coogan, de A Festa Nunca Termina), hoje gay e louco para ser pai, prefere não comentar a transa ligeira que eles tiveram vinte anos atrás. Certo dia, Mamie se surpreende quando recebe uma carta misteriosa do aspirante a cineasta Nicky (Jesse Bradford), convidando-a a ser objeto de um documentário sobre o filho dela - que está vivo, pronto para o reencontro com a mãe, diz ele.

De outro lado, Jude (Maggie Gyllenhaal, de Secretária) descobre num karaokê que tem talento de sobra para liderar um grupo de moleques roqueiros enquanto a vocalista titular se desintoxica na reabilitação. Melhor que isso: o baterista da banda, Otis (Jason Ritter), que nutre desejos por Charley, precisa provar ao pai (Tom Arnold) que não é gay. A nômade Jude vê aí a chance de viver numa mansão enquanto finge ser a namoradinha liberal do doce rapaz.

Jude, Charley, Mamie, Nicky, Otis, seu pai e mais uma leva de coadjuvantes dividem a mesma condição: não conseguem ser honestos com si mesmos. Mais do que isso, o tema principal do filme é a incapacidade dessas pessoas em manter relacionamentos, serem honestos também com os outros. São uma gente desenganada em pretensos finais felizes - referência ao clímax da massagem erótica que Mamie recebe de seu namorado mexicano (Bobby Cannavale, de O Agente da Estação) -, diz Don Roos.

O trabalho do diretor começa mal - no sentido em que julga os personagens antes mesmo que eles tenham tempo de "se defender" - a partir de suas opções estilísticas. Os protagonistas entram em cena, a tela se divide e surgem legendas verticais delatando detalhes íntimos ou curiosidades mórbidas sobre as vidas de cada um dos retratados. Esse recurso tem a suposta intenção de aprofundar perfis psicológicos, mas não fazem nada além de sobrecarregar informação banal. Na inicio do filme, sofremos bastante para acompanhar tantas frases e tantos diálogos juntos, que sobrepostos, fazem-nos perder boas falas.

Não que o filme seja um desastre. Ele só é um tanto inquisidor e em parte injusto. As coisas melhoram um pouco depois.

A certa altura, quando Jude anuncia para Otis que está flertando com o pai dele, ela brinca: "Relaxa, isso não é Beleza Americana, não voarão rosas dos meus peitos". A menção é emblemática porque o filme de Sam Mendes também representa esse cinema que faz anedota com desvios de comportamento. Acontece que Beleza Americana bate e assopra. Critica, mas ao mesmo tempo expõe a humanidade de seus acusados, como uma tentativa de inocentá-los.

Finais Felizes começa a se justificar quando também parte em busca da humanidade dos personagens. Quando a então invencível Jude demonstra fraquezas, quando Charley expurga seus medos... Aliás, deve-se muito o êxito comedido do filme às atuações de Steve Coogan e Maggie Gyllenhaal, os dois melhores de um elenco desigual. Até ali, a proposta de Roos se resumia a um apanhado de legendas engraçadinhas e ao esforço de enfeiar Lisa Kudrow. Depois melhora.