23 novembro 2005

Guardiões da Noite



Nota: 7,5

Aguardado pelos apreciadores de terror e ficção, o fenômeno russo Guardiões da Noite (Nochnoi Dozor, 2003), realizado com apenas 4 milhões de dólares, tornou-se o maior filme de todos os tempos na Rússia, superando qualquer produção estrangeira por lá, incluindo pesos pesados como O Senhor dos Anéis e Homem-Aranha.

Trata-se, porém, de um passo atrás para o cinema russo. O filme fez dinheiro? Sim. O que não significa que seja ruim, mas rejeita toda uma história rebelde da cinematográfia russa. Já ouviu falar de salada russa? Aquela que leva batata, vagem, cenoura, ervilha, ovo... verdadeira mistureba, ligada por uma base de maionese? O filme é o equivalente cinematográfico do prato. Joga fora uma das tradições mais poderosas da história do cinema mundial para abraçar o cinemão "globalizado" juntando e ruminando idéias de bons longas como Matrix, O Senhor dos Anéis, Homens de Preto e X-Men, com pitadas de comédia, suspense e muito merchandising.

Apesar de visualmente interessante e de ter sido realizado com competência técnica pelo diretor de comerciais Timur Bekmambetov, Guardiões da Noite cai no maior dos problemas da Hollywood que copia. Faltou a maionese. O filme é cheio de efeitos visuais muito bons e tome mulher-tigre, vampiros, furgões a jato, câmera lenta, guerreiros medievais, feiticeiros, videogames, óculos escuros, sobretudos, espadas de luz e tantos outros elementos mas, acaba se focando muito no quesito visual e deixando de lado o roteiro, que não é bem assimilado pelo público. São muitas informações dadas num período muito curto e rápido, muitas explicações no meio do filme, ao léo, que confundem e atrapalham a digestão. Parece-me que quiserem perder o menos tempo possível com roteiro, deixando o trabalho para os efeitos especiais. E aí que o filme peca. A história é até interessante e os efeitos idem, mas não conseguiram fazer algo único e inovador, pois copiaram o cinemão norte-americano.

Depois das redes de fast-food e da economia de mercado, eis que a Rússia aberta ao capitalismo descobre as "maravilhas" dos efeitos especiais. Guardiões da Noite é o primeiro filme russo a utilizar efeitos computadorizados, no mesmo estilo das obras norte-americanas, obtendo resultados de público igualmente expressivos.

Baseado numa trilogia best-seller escrita por Sergei Lukyanenko, o longa conta a história de um grupo de seres fantásticos - os "outros" - que vive entre os homens desde o começo da humanidade. Eles são feiticeiros, vampiros ou seres capazes de virar animais, como corujas e ursos. Os "outros" estão divididos em dois subgrupos: os que são da luz (a turma do bem) e os que são das trevas (os vilões). Lutando desde o princípio dos tempos, os dois bandos estão em paz na Moscou de hoje. Os da luz vigiam os das trevas (e, por isso, são chamados de Guardiões da Noite), e vice-versa, para assegurar que os termos da trégua -não interferir com os humanos, permitindo que escolham o caminho do bem ou do mal livremente - sejam mantidos pelas duas partes.

E tem outro detalhe, bem batido inclusive: há um Messias que está na Terra atualmente e tem poder para destruir qualquer um dos lados; logo, é um aliado crucial para ambos, que farão tudo para atraí-lo para suas fileiras. Os dois grandes atrativos da produção não se sustentam: o fato de a história se passar na Moscou de hoje pode ser interessante para o público russo, mas não serve nem de experiência antropológica para quem vê o filme no Brasil: a cidade se parece com diversas metrópoles, carcomidas pela pobreza, pela poluição e pelo excesso de gente; quanto aos efeitos especiais, são bem-feitos, mas utilizados de forma gratuita (como para mostrar o que os russos podem fazer): há, por exemplo, uma longa cena que acompanha a trajetória de um parafuso desde um avião até uma xícara de café. As mais interessantes transformações das pessoas em bichos, no entanto, são deixadas quase que de lado, em cenas rápidas.

Na história, vemos uma relação estranha do Bem com o Mal, com acordos nefastos e uma justiça injusta, onde existem regras que podem ser quebradas, dependendo de quem as quebra. Assim como no cenário político atual, mesmo os seres especiais são corruptos e delegam em prol de seus benefícios. O senhor do Mal é amigo do senhor do Bem, e todos sabem que certas regras são quebradas diariamente, mesmo não podendo ser quebradas. Mas como são eles que mandam, dane-se, desde que os mesmos não sejam atingidos. Mesmo com um enredo batido e nada de novo, a análise política e a crítica do Bem e do Mal, é relevante.