23 novembro 2005

Uma Vida Iluminada



Nota: 6,5

Tudo Se Ilumina ganhou o título Uma Vida Iluminada em sua passagem para o cinema. Dirigido pelo ator americano Liev Schreiber (atuou em Sob o Domínio do Mal e nas comédias Pânico), o filme, que competiu no último Festival de Veneza, retira o realismo mágico e os jogos estilísticos do livro, se concentrando apenas na comédia e na volta ao passado do personagem.

Um dos charmes de Tudo se Ilumina (Everything Is Illuminated, no original) é o humor tirado do precário inglês de Alex, que perde pouco na tradução para o português, mas muito na versão para o cinema e as situações cômicas geradas pelo improvável trio de protagonistas.

Trata-se de um road movie no leste europeu sobre a ocasião em que o escritor Jonathan (vivido por Elijah Wood), um colecionador judeu norte-americano, partiu para a Europa desejoso de explorar o passado da família. Ele tinha a intenção de encontrar na Ucrânia uma mulher que supostamente salvou seu avô dos nazistas. Para tanto, contratou uma empresa especializada em viagens em busca de herança cultural (um carro soviético caindo aos pedaços, na verdade). O personagem viaja ao lado de seus guias pouco convencionais, Alex Jr. (Eugene Hutz, vocalista da banda punk Gogol Bordello - que assina algumas das canções do filme), o velhote ranzinza Alex (Boris Leskin) e a cadela Sammy Davis Jr. Jr.

Nessa terra de velhos e paisagens desérticas, ou quase isso, desenvolve-se uma amizade igualmente estéril, já que Jonathan pouco se lixa para a paisagem, para a Ucrânia ou para os ucranianos. Ele é um famílio-fanático e só pensa em seu antepassado e na pessoa que o salvou.

Com isso, parece não agregar nada durante o trajeto, nem mesmo a amizade do guia e, sobretudo, do tradutor que insiste em chamá-lo de "Jonassan". De maneira que eles agüentam a unidimensionalidade do protagonista por razões profissionais, ganham para isso, enquanto nós temos de pagar por essa convivência não muito animadora.

Estamos nisso, em busca de uma aldeia sobre a qual ninguém nunca ouviu falar (ou se comportam como tal), quando chegamos a um campo de flores que contrasta com tudo o que temos visto durante o longa-metragem, vencedor do prêmio de melhor roteiro da 29ª Mostra de Cinema de SP.

Veremos que é um lugar bem importante, mas não é isso o que importa, e sim esse campo de flores interminável, que introduz algo de universal (as flores) numa paisagem até então muito particular. É o sinal de que não estamos mais na Ucrânia. Entramos em um território espiritual, partilhável por todos os homens: a bondade, a grandeza, a dedicação ao outro.

Sim, voltamos à guerra, voltamos a alguém que salva uma vida etc. Isso não seria problema, se não nos fosse apresentado como o mais puro exemplar da arte cinematográfica atual e não contivesse aquilo a que se pretende reduzir o cinema (o dito "de arte", justamente): a um divulgador de idéias inofensivas coroadas por atos heróicos. Nesse sentido, o campo de flores representa bem o gosto caipira que envolve esse tipo de cinema.

Em termos narrativos, dois terços do filme têm um humor burlesco, recheado de personagens estranhos. Uma espécie de Encontros e Desencontros sem o romantismo, calcado apenas nas diferenças de idiomas, diálogos divertidos e personagens estranhos. O inglês de Alex, sujeito que se veste feito um rapper negro, por exemplo, é hilariante. "The blacks are such premium people", comenta inocentemente, para o horror do politicamente correto Jonathan. Leskin como o motorista ranheta que acredita que é cego e sua cachorra, são outros que roubam o filme.

Alguns dos pontos negativos do drama, como buracos na trama e a indecisão pelo tom da produção (ora cômico, ora desnecessariamente melodramático), assim como o final meloso demais, podem ser explicados pela inexperiência de Schreiber atrás das câmeras. Todavia, o resultado é um longa acima da média norte-americana.