Oliver Twist
Nota: 5
O menino órfão, de posse de um sobrenome inventado, abandonado à mercê da Londres vitoriana, foge do sistema cruel da orfandade governamental, em busca da redenção da família desaparecida. Em Londres, se filia a um grupo de moleques assaltantes do submundo, liderado por um velho judeu esquizofrênico, antes de ser salvo por um bom samaritano da burguesia da cidade. Mais comum impossível, seguindo o livro à risca mesmo, bem longe daquele Polanski obscuro no qual se esperava que fosse traçado o caminho do filme.
O enredo de Oliver Twist, o clássico inglês escrito por Charles Dickens, mais citado do que propriamente lido, faz parte do inconsciente literário do último século, e é invariavelmente reverenciado aqui e ali em toda produção cultural. No cinema não é diferente, e a história já foi contada nos mais diferentes formatos, desde os tempos dos filmes mudos.
Na lista, sempre se destacam a versão de David Lean – de 1948, com Alec Guinness no elenco – e o musical Oliver!, dirigido por Carol Reed em 1968, que abocanhou uma série de Oscars. As traduções mais recentes fogem do original – como os independentes Twist, de 2003, que transportou o conto para Toronto, com prostituição gay e drogas, e Boy Called Twist, que encarnou o personagem num garoto de rua da África do Sul. Faltava, até agora, um olhar fiel do cinema moderno à história.
A missão foi assumida por Roman Polanski – ressuscitado após a aclamação de O Pianista em 2002 – com a desculpa de que queria produzir um filme para seus filhos. Mas o Oliver Twist do diretor franco-polonês mesmo fugindo de um tatibitate infantil, acaba mostrando um mundo dividido entre bem e mal, onde o bem triunfa (que novidade!) e o mal acaba sendo punido por seus erros na vida. A redenção é alcançada num burguês que "sente algo" pelo garoto, mesmo tendo-o acusado injustamente no início do filme. E mesmo tratando com ambiguidade os "vilões" no início do filme (como possuidores de um lado bom e de um lado ruim), o mal acaba prevalecendo e eles são maltratados pelo diretor na sequencia. Os bandidos que o salvam sem nada exigir e o tratam como a um irmão, são transformados em demônios no decorrer da história. Mais comum impossível.
Oliver é um guri que não quer mais do que travar contato com o básico do ser humano, o sentimento de família que nos reúne em grupos. Depois da longa e irregular introdução, quando ele chega a Londres e está longe da vida fria dos orfanatos, Oliver se filia à primeira realidade que lhe dá zelo. E, estereótipo da inocência, vai fazer parte do grupo de moleques, liderado pelo decrépito Fagin, que passa os dias cometendo pequenos furtos nas ruas.
Apesar do ambiente degradado, a primeira família de Oliver é ambígua. Enquanto ele é forçado a entrar no jogo dos jovens ladrões de Fagin, também é afagado com um certo carinho pelo velho.
O jogo de sentimentos adversos tem sua melhor tradução na última cena antes do epílogo, quando Oliver, já adotado pelo rico Brownlow, vai visitar o seu velho mestre na prisão. Condenado à forca e enlouquecido por isso, Fagin esperneia e é acalentado pelo menino, no seu último momento de semi-rendição.
O resultado da inusitada escolha de Polanski pelo conto de Dickens é uma boa adaptação, a mais fiel possível a um livro que não se pode resumir a duas horas de tela. Alguns personagens e enredos se perderam, como o meio-irmão de Oliver e a desconfiança de que ele é filho da sobrinha de Brownlow.
Ele teve grande ajuda para elevar o saldo final de Oliver Twist. A equipe técnica – do roteirista à figurinista – é praticamente a mesma que produziu O Pianista ao seu lado, já afinada à lâmina de Polanski. O trabalho de recriação da negra Londres da época, suja e degradada, baseado em gravuras da época, é um primor. No elenco, o menino Barney Clark é ótimo como o herói-mirim, em seu primeiro trabalho significativo no cinema. Mas o destaque máximo é mesmo Ben Kingsley, excelente e irreconhecível nas carnes do velho Fagin.
Porém, a vontade do diretor de seguir quase letra a letra o enredo original também acaba sendo seu maior tropeço. A carga de relacionamento humano que existe em Dickens se perde na inquietação de fazer a história seguir seu rumo de acontecimentos. O Oliver Twist polanskiano é uma ótima acomodação do enredo original, mas lhe falta um punhado de inovação.
De um lado, Polanski realizou um trabalho correto, mesmo que nunca brilhante. Mas, de outro, gastou inacreditáveis 50 milhões de euros para contar essa história de forma fiel e nada inovadora. O filme se faz ver porque a história tem força, o roteiro de Ronald Harwood (O Pianista) delineia bem o tempo e os personagens, e o esforço de produção é visível. Mas isso não eleva o filme acima de sua irrelevância.
Com certeza, Ben Kingsley (Casa de Areia e Névoa) está fascinante como o crápula Fagin, mas Barney Clark faz um Oliver Twist choroso e de fala titubeante, numa leitura banal do personagem. Imaginava-se outro tipo de filme para Polanski assistir com seus pequenos.
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