10 novembro 2005

Crash - No Limite



Nota: 8,5

Ultimamente, vivemos tão isolados e sem perceber o que se passa à nossa volta que às vezes é preciso um bom "encontrão" para lembrarmos que estamos vivos. É com esse pensamento em mente que Paul Haggis estréia na direção com Crash – No Limite (Crash, 2005). Haggis ganhou notoriedade suficiente para dirigir seu primeiro longa-metragem depois de escrever o ótimo roteiro de Menina de Ouro.

Na história, Jean Cabot é a mimada esposa de um rico promotor e vive numa cidade do sul da Califórnia. Sua rotina é alterada quando seu carro de luxo é roubado por dois assaltantes negros. O crime culmina num acidente que acaba por aproximar habitantes de diversas origens étnicas e classes sociais de Los Angeles: um veterano policial racista, um detetive negro e seu irmão traficante de drogas, um bem-sucedido diretor de cinema e sua esposa, além de um imigrante persa e sua filha.

Mas não pense que a narrativa pertence a algum protagonista em especial. Todos estão lá como peões num intricado tabuleiro de emoções que afloram conforme eles se encontram, ou melhor, se esbarram no acaso da vida do dia-a-dia. Nesses encontros, os personagens tomam consciência de quem realmente são e a maneira como conduzem suas vidas, muitas vezes patéticas. O sentimento que serve de fio condutor é o racismo presente nos EUA, um tema que tende a ser empurrado para debaixo do tapete.

O racismo está presente em todos os grupos étnicos que vivem nos EUA, mas é Los Angeles a cidade escolhida como cenário. Esse palco, entretanto, não tem nada de preto e branco, como no tão explorado caso do afro-americano Rodney King (motorista negro espancado por policias brancos). O argumento de Haggis é colorido como um arco-íris de etnias. Latinos, muçulmanos, brancos, negros, todos fazem parte e contribuem para o problema.

As coincidências do roteiro podem ser acusadas de improváveis e as narrativas paralelas podem ser sistemáticas em excesso - a tal ponto que fazem lembrar Magnólia, do diretor Paul Thomas Anderson. Mas isso não tira a força da direção e nem das surpresas na história, co-escrita por Haggis e Bobby Moresco. A trama envolvendo o latino e o persa é a mais envolvente e brilhante. Sua conclusão é de causar frio no estômago e até aqueles que se dizem contra o racismo se descobrem inconscientemente enraizados no problema.

O elenco está soberbo. Paul Haggis tira leite de pedra, visto que até mesmo Brendan Fraser e Sandra Bullock convencem em seus papéis. Todos estão lá a serviço da contundente história, representando não só os diversos grupos, mas também as diferentes classes sociais. Suas frustrações são exorcizadas em pura agressividade, como uma forma de canalizar a depressão e o sofrimento de sentir-se excluído. E isso acaba transformando toda pessoa estranha em um potente inimigo.

Crash não é o filme definitivo nem irá provocar uma profunda reflexão sobre o assunto. Sua intenção é ser um retrato verdadeiro de uma sociedade que se vende como moderna, mas que, ao mesmo tempo, se revela arcaica ao não conseguir resolver um dos problemas mais graves da convivência humana. À sua maneira, consegue fazer uma reflexão tocante sobre a alienação social moderna e a paranóia. Se tivesse aparecido há 10 anos, talvez ainda pudesse ser considerado um trabalho original e corajoso.