22 julho 2005

O Diabo a Quatro



Nota: 7


"O diabo a quatro", expressão que denota grande balbúrdia, surgiu no teatro medieval. Em pequenos qui pro quos, um ou dois atores vestidos de diabos entravam como elementos cênicos de comédia. Quando os autores da época precisavam de grande barulho, confusões de porte, colocavam quatro deles em cena.

O quarteto de protagonistas de O Diabo a Quatro (2005) se encaixa nesse perfil. O surfista folgado Paulo Roberto (Marcelo Faria) briga com o cafetão Tim Mais (Márcio Libar) pelo amor da cândida garota-de-programa Mistery (Maria Flor), mas ela só quer mesmo ajudar o carente e sonhador Waldick (Netinho Alves), garoto mineiro sozinho no Rio de Janeiro, a vencer na vida.

Na verdade, esse é o clímax da história. Assim, começando pelo final para mostrar como a situação degringolou a esse ponto, como um imenso flashback, a carioca Alice de Andrade monta seu filme de estréia. Aflora aqui sua formação de atriz do Circo Voador dos anos 80, mais do que sua experiência como assistente de direção. Alice, diz, quer abordar assuntos sérios, mas sempre com humor, dar ao público algo aparentemente inofensivo, mas que suscitasse o pensamento. E não há como fugir da temática social. Afinal, no Rio de Janeiro de hoje - para falar de um jeito diferente - o que não faltam são diabos a milhares.

E o roteiro não se esquiva de mostrar o tráfico de drogas, a violência e a ilusão da fama. Antes do quiproquó final, Paulo Roberto, filho de um candidato a senador, vivia na praia com China (Jonathan Haagensen), filho da sua empregada e seu fornecedor de maconha. Mal dava bola para Rita de Cássia - nome verdadeiro de Mistery, antes de aderir à agência de Tim -, babá comportadíssima do prédio da frente. Waldick, por sua vez, mal chegou ao Rio e já foi assaltado. Ficou pra depois seu sonho de conhecer Fúlvio Fontes (Evandro Mesquita), midas dos programas de auditório. Por enquanto, o garoto se contenta em virar camelô.

A certa altura do filme, a mãe de Paulo Roberto diz que a culpada de tudo é a libido. Bem, de quase tudo. O diabo a quatro sugere, tentando ser um Amarelo manga light, que desvios sociais nascem da luxúria. Mas basta esse seu modesto panorama por esferas várias na rotina de Copacabana para ilustrar que o problema é muito mais complexo.

A idéia da diretora Alice é abordar assuntos pertinentes de maneira bem humorada. Isso é possível, sem dúvida, mas aqui o lado farsesco e picaresco da trama frequentemente anula os momentos de seriedade. As más atuações da maioria dos atores e a maneira forçada com que desenvolvem-se algumas cenas, não prejudicam tanto o filme, mas a diretora deveria ter trabalhado melhor os atores. A falta de veracidade em algumas cenas, devido a essas más atuações, acaba incomodando no início, mas nos acostumamos com isso. O desfecho instigante do filme - algo como uma convocação ao primitivismo, um olhar para dentro de si mesmo -, intimista, vagaroso, acontece quando todo o teatro dos diabos já se esgotou. Daí, sim, a reflexão acontece, ainda que possa ser um pouco tarde.