22 julho 2005

Camelos Também Choram



Nota: 7,5

Indicado ao Oscar 2005 de melhor documentário, Camelos Também Choram (2003) tem cara de produto Discovery Channel. Pelo menos no comecinho.

A imensidão de deserto de Gobi, no Sul da Mongólia, próximo à China, parece bem maior na perspectiva de uma família de pastores nômades. Eles vivem em um par de tendas, subsistem com a criação de cabras e camelos. A câmera registra hábitos de rotina: o artesanato das mulheres, a ajuda das crianças no trato com os bichos, a labuta rudimentar, o jantar. Chega a época da procriação dos camelos. A idéia dos mongóis é não interferir no processo natural. Mas uma fêmea tem dificuldade em parir. Atravessa a madrugada, leva metade de um dia - e com a ajuda das pessoas dá à luz um filhote albino, que ela renega.

Dirigido pelo mongol Byambasuren Davaa e pelo florentino Luigi Falorni, com co-produção alemã e mongol, o filme começa então a ganhar características distintas do gênero documentário. Na verdade, configura-se cada vez mais como um docudrama - o registro de uma realidade com estrutura narrativa dramática. Estrutura essa, a saber: apresentação do conflito, desenvolvimento do embate e conclusão.

E o conflito aqui é justamente a recusa da mãe em aceitar a cria, branquinha, frágil, diferente de qualquer outro camelo em todo o Gobi. Quando o filhote se aproxima, ela foge ou o coiceia. E sem mamar, mesmo tendo o leite ordenhado disponível, ele morrerá. O desenvolvimento desse embate trata justamente dos esforços da família em fazer com que a mãe se renda: amarrar as pernas, forçar a aproximação... Uma hora só resta como último recurso o ritualismo. Cantar, dançar, tocar instrumentos e crer que a sabedoria ancestral será capaz de superar a ciência. Não convém falar da conclusão, mas vale dizer que dela sairão as tais lágrimas do título.

Portanto, o que antes se restringia ao limite observacional se transforma em uma fábula folclórica, com começo-meio-fim. Existem outras peculiaridades do filme que, aos poucos, o tornam um conto quase ficcional. Antes os habitantes do deserto eram objetos de estudo, mas aos poucos se transformam, como os camelos, em personagens - no sentido mais puro do termo, o de assumir uma persona, uma personalidade em função da narrativa. Não é por acaso que nos letreiros finais os nomes sejam citados como um elenco.

A peça principal dessa trama é o garoto mais jovem da família. O gorro Adidas que não sai da sua cabeça é o único símbolo globalizado em um mundo estritamente tribal. Junto com o irmãos mais velho, ele é encarregado de rumar à cidade mais próxima para trazer o músico capaz de encantar o camelo. Lá vão os dois, apertados entre corcovas. E quando chegam no vilarejo o deslumbre do pequeno é total. Todos andam de bicicleta. Vestem roupas diferentes. Um desenho animado na televisão é especialmente magnético. Quando retornam à família, ao deserto, ao nada em lugar nenhum, o menino pede que os pais comprem uma televisão. O avô rejeita o que ele chama de "imagens de vidro".

No fundo, é disto que trata Camelos também choram: o choque do diferente, da mudança. De certo modo, o filhote renegado pela mãe é como uma modernidade na qual os nômades criadores de animais se recusam a ingressar - por medo, principalmente, de perder sua própria identidade.

Acontece - e esta é a mensagem fundamental desde pequeno grande filme - que o novo não necessariamente substitui o velho, que o diferente não anula os iguais. Há lugar aqui para mágicas e lágrimas e também tem muito espaço para pilhas e parabólicas. Vale muito conferir.