22 julho 2005

Casa de Areia



Nota: 8,5

Em Redentor (2004) o diretor Cláudio Torres escalou sua irmã para interpretar a jovem Isaura, papel que no decorrer do filme seria vivido também pela sua mãe, quando a personagem está mais velha. Este nepotismo todo poderia passar em branco se a irmã de Cláudio não fosse Fernanda Torres e a mãe dos dois, Fernanda Montenegro. A escolha das duas é correta, afinal além de ótimas atrizes, as semelhanças físicas são inevitáveis, o que sempre ajuda na hora de contar uma história. Pelas características acima, talento e falta de espaço no mercado brasileiro, as duas já haviam atuado juntas em novelas, minisséries e até no primeiro filme de Andrucha Waddington, Gêmeas (1999).

Pois eis que Andrucha (Eu, Tu, Eles) - marido da Fernanda filha - escolheu as duas para protagonizar seu novo projeto, Casa de Areia, antes mesmo de ter um roteiro pronto.A idéia veio do veterano produtor Luiz Carlos Barreto, que viu uma foto de uma casa completamente tomada por areia e convidou o diretor a fazer um filme baseado em uma mulher que teria morado naquele local e lutou por muito tempo contra as dunas. Quem leu este argumento e viu o trailer pode ter imaginado que o longa é chatíssimo, lento, com muitas paisagens e poucos diálogos. Um filme iraniano feito nas dunas do Maranhão.

Tirando todos os adjetivos negativos da frase acima, Casa de Areia é isso mesmo. Méritos para o roteiro de Elena Soárez, que conseguiu tirar da aspereza da areia uma história que consegue envolver os espectadores. Veja bem, não estou falando de uma trama rasa, do drama de mãe e filha que chegam ao deserto e tem de aprender a se virar. No filme, as duas Fernandas se alternam nos papéis de mãe e filha, colocando na tela três gerações. Fernanda Montenegro, que no começo da história, em 1910, é D. Maria, interpreta também sua filha Áurea em 1942 e a sua neta, também chamada Maria, numa cena ambientada em 1969. Confuso? Pois não precisa se preocupar, a história é muito bem contada e como estamos falando de ótimas atrizes (ganhadoras de Urso de Ouro e Palma de Ouro), fica muito fácil identificar as mudanças de interpretação de personagem para personagem.

No filme, as passagens de tempo vêm do céu. Quando a caravana liderada por Vasco de Sá (Ruy Guerra) chega no meio do nada e pára, sua esposa Áurea (Torres) não demora para querer voltar para a cidade e levar junto sua mãe, D. Maria (Montenegro). Não tarda também para as dunas ficarem ainda mais desérticas e Áurea, grávida, ter apenas a mãe e a futura filha como companhia. Nas andanças pela região encontram Massu (Seu Jorge) e uma vila que um dia foi um quilombo. Os novos vizinhos vão ajudá-las na tarefa de sobreviver no meio da areia. Com exceção do mercador Chico (Emiliano Queiroz), o próximo contato com a civilização só vai acontecer nove anos depois, quando Áurea encontra uma expedição de cientistas ingleses que estava no nordeste brasileiro para fotografar o céu e assim ajudar a provar a teoria da relatividade de Einstein. Deste encontro renasce a vontade de sair dali. Olhando para cima, vemos depois aviões, que trazem novidades sobre o que aconteceu não só com as vidas de D. Maria, Áurea e Maria, mas também no mundo, que estava em meio à Segunda Guerra Mundial. O terceiro grande evento, talvez o mais belo, tem como ponto de referência a chegada do homem à Lua.

Tão monocromático quanto o satélite natural é o cenário, já que como bem lembra Áurea: "o que não é areia é céu". Mas esta ausência de outras cores não atrapalha. Para falar a verdade, se fosse diferente provavelmente não funcionaria. O mesmo pode-se dizer da inexistência quase que total de músicas. O que mais se ouve são barulhos. Até mesmo os diálogos são econômicos, deixando a história muito mais visual. E como funciona bem!

Em épocas em que comédias românticas estreladas por atores globais e "atrizes" de propaganda de cerveja surgem aos montes, é bom ver filmes mais elaborados. Não me entenda mal. Cada um tem o seu valor na tão comentada retomada do cinema brasileiro. Um chama o povão às salas de cinema e o diverte. O outro se aproveita deste sucesso de público para captar recursos para o meio e desenvolver projetos mais densos. Ajuda muito também contar com talentos de Andruchas e Fernandas. A mãe, aliás, deve conseguir realizar a tal viagem na velocidade da luz comentada no filme, pois esbanja na telona uma jovialidade única.