Melinda e Melinda
Nota: 7,5
Comédia dramática parece um termo paradoxal... Ou um filme faz rir ou faz chorar, não é? Acontece que tragédias podem muito bem ser hilárias, assim como piadas frequentemente escondem morais bastante sérias. Em Melinda e Melinda (2004), o diretor Woody Allen divide a narrativa em duas histórias paralelas - drama e humor - justamente para mostrar como uma pode impregnar a outra.
A coisa começa num bistrô. Amigos discorrem sobre a natureza humana. Seria ela essencialmente trágica ou cômica? Coloca-se um desafio. Um deles fornecerá a premissa - garota surge desavisadamente num jantar de amigos e causa constrangimento - e outros dois devem desenvolvê-la de acordo com suas respectivas crenças.
Aquele que acredita na dramaticidade conta a história de Melinda (Radha Mitchell), sujeita que irrompe cheia de malas e toda estropiada no jantar que o ator Lee (Jonny Lee Miller) organiza para um diretor de teatro. Lee, que deseja o papel principal numa peça, fica bravo - afinal, Melinda, amiga de adolescência de sua esposa, Laurel (Chlöe Sevigny), poderia escolher uma hora melhor para aparecer. Acontece que Melinda acabou de largar o namorado, está longe dos filhos, não tem onde morar... É o começo de uma série de lamúrias sem fim.
Já o amigo do bistrô que acredita na comédia faz de Melinda (também Radha, dois bons desempenhos) uma tipa tão atrapalhada quanto encantadora. Ela bate à porta do ator fracassado Hobie (Will Ferrell) justamente quando a mulher deste, a cineasta Susan (Amanda Peet), oferece jantar a um possível investidor do seu futuro filme. Melinda não tem contas a acertar com ninguém, pelo contrário. Acaba de se mudar para o andar de baixo. Mas como a Melinda trágica, começará aos poucos a mudar a vida de todos ali.
Repare que Allen faz questão de dividir o tom já nos letreiros de abertura: ao fundo do seus habituais créditos sem imagens, uma orquestração sisuda se interrompe de repente para dar lugar à animada versão de Duke Ellington para "Take de 'A' Train". Esse é o jogo do diretor, emparelhar as duas narrativas. Ambas possuem os mesmos elementos, pitadas de adultério, de desilusões e descobertas amorosas. São os detalhes que as distinguem.
Por exemplo, enquanto numa história Hobie (claramente alter-ego de Allen, por suas tiradas cômicas e vocação ao burlesco) conversa com si mesmo no espelho, na outra Melinda encara o seu reflexo de modo quase shakespeareano. Os lugares que os personagens visitam e as situações que dividem também são idênticas. A diferença é o enfoque.
Aos poucos, porém, a separação entre o dramático e o satírico começa a ficar estreita. Não sabemos, a certo ponto, se Allen está rindo de seus personagens trágicos ou se está levando a sério suas caricaturas.
A inversão é inteligente, mas não irretocável. A porção trágica é melhor desenvolvida que a cômica, já que Allen sempre soube se escorar melhor no humor negro contido do que na comédia rasgada. O fato de seus personagens serem manipulados de acordo com o esquema da dualidade não deixa espaço para um elemento importante nos seus filmes, o acaso. Previsível e meticuloso demais, Melinda e Melinda acaba se tornando o filme mais inofensivo, ainda que engenhoso, da safra atual do diretor.
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