07 junho 2005

Quanto Vale ou é Por Quilo?



Nota: 9,5

Sérgio Bianchi é brasileiro, ele não desiste nunca. As obras do cineasta paranaense sempre se esforçam em mostrar que, por trás da simpática idéia do "jeitinho brasileiro", existe uma hipocrisia que permeia a rotina nacional. Cronicamente Inviável (2000) fez sua ácida constatação da dominação e da opressão social no Brasil. Mas o filme era muito mal feito, com péssimas atuações, causando uma má impressão do telespectador. A crítica se perdia em meio a tantos defeitos. Agora em Quanto Vale ou é Por Quilo? Bianchi utiliza-se do recurso de histórias intercaladas para, mais uma vez, apontar o dedo acusatório contra seu segmento preferido para levar pancadas: a classe média.

E ironiza um elemento social de benemerência quase intocável: o terceiro setor. Na visão de Bianchi, ONGs são terreno fértil de corrupção, caixa dois, projetos falidos que só servem para contabilizar a pobreza como forma de negócio. Pior. São uma forma de perpetuar a miséria - daí as comparações com o período escravagista do país.

Livre adaptação do conto machadiano "Pai contra mãe", o filme começa no século XVIII, quando senhores atrelavam ao custo da liberdade de seus escravos um juro crescente ao ano. O que parecia boa vontade virava negócio muito lucrativo - coisa que Bianchi mostra acontecer hoje em dia, quando uma ONG fictícia superfatura a doação de computadores bichados a uma escola de favela.

No período colonial, para sobreviver decentemente, negros viravam capitães-do-mato para caçar escravos fugidos. Bianchi também espelha o caso negro-contra-negro dos dias de hoje. O caçador virou matador de aluguel. É o desfecho dramaticamente poderoso de um filme que até então se escora mais no sarcasmo - mais uma vez para mostrar que no Brasil nada muda, nunca.

Tudo é negócio para a classe média enfastiada, atrás de alívio de consciência, de posar com o menino carente em fotos oficiais, uma cultura que cresceu no país da Era FHC: onde o estado é incompetente, coloque-se lá você (de preferência com um bom projeto que consiga a famosa captação de cifras do governo rapidamente).

A sugestão é a ferramenta de Bianchi, um ótimo provocador, bastante contundente, que acaba realmente incomodando as pessoas que assistem ao filme, que geralmente são da classe média e acham que ajudando a entidades assistenciais, emitem um certificado de mea-culpa perante a desigualdade social nacional. Ele evita encerrar discussões, tanto que deixa pontos abertos a uma ou duas interpretações - quem acompanhar os créditos finais saberá. O saldo pende mais para o cinismo do que para o drama, mas é desse humor negro, dessas brincadeiras com fundo de verdade, que nos situe com a mediocridade do brasileiro médio, que precisamos para esquecer (mesmo que por duas horas) da nossa eterna alienação e conformismo. Nos indignamos ao final do filme, e mesmo que sendo muito pouco, serve para mostrar que podemos ser muito mais do que imaginamos.