03 fevereiro 2005

Nossa Música



Nota: 8

Jean-Luc Godard é daqueles cineastas que intimidam. Sua cinegrafia é tão exuberante que qualquer novo lançamento deste septuagenário é aguardado com muito interesse pela crítica e também pelos cinéfilos. Por isto, é bem-vinda a chegada às telonas de sua mais recente obra, Nossa Música (Notre Musique, 2004).

Trata-se de um filme perturbador. Dividido em três partes - Inferno, Purgatório e Paraíso -, aborda a força dos símbolos visuais e a sua manipulação na chamada "Era das Imagens" em que vivemos.

Inferno é uma colagem de registros de guerra, em preto e branco, alguns reais, outros produzidos em obras cinematográficas alheias, em especial as norte-americanas. De cara o capítulo anestesia o espectador com brutais aparições de poderio bélico.

Em seguida, Godard engata o Purgatório, onde, ele mesmo um personagem, embarca para Sarajevo para fazer uma palestra sobre o poder do cinema. Neste momento, as paranóias do velho esquerdista aparecem de maneira bem elaborada. Entre discursos filosóficos, heróis do passado surgem quase como aparições fantasmagóricas, espectros da História que regressam para atormentar. Dos indígenas norte-americanos à efervescente questão Israel/Palestina, tudo mistura-se neste caldeirão que é Sarajevo, mais uma vítima das inúmeras sangrentas guerras modernas.

Neste purgatório, atrás de perdão, Godard tem um breve contato com uma jornalista israelense de pais palestinos, que também busca sua redenção. É com ela que o diretor constrói uma das mais belas passagens do filme, quando a garota visita a Ponte Mostar reconstruída, formalizando a sua expiação de culpa.

Por fim, em Paraíso, a mesma jornalista encontra a paz, depois de revelado seu principal objetivo, em uma praia protegida pela Marinha dos EUA - numa alusão metafísica quase marxista, se é que isto é possível.

Godard se abre a algumas concessões para este final da película. De todo modo, sabe muito bem do que quer falar, o que quer mostrar, e o faz com contundência, com domínio da metalinguagem. E apesar de alguns dos seus maneirismos típicos e do tom acusatório, mostra uma honestidade raríssima na Sétima Arte da atualidade.